Quando a gratidão está acima do Direito.

O Supremo Tribunal Federal vem passando por evidentes sinais de esquizofrenia em suas decisões.

Talvez por isto, o STF seja a única Corte Suprema do mundo na qual a sociedade – ou parte dela – não acredita e que alguns de seus ministros se escondem nos aeroportos com receio de vaias.

Em Brasília, até criaram um sistema privativo de embarque de Suas Excelências, para não serem vistos pelos demais mortais comuns que frequentam o aeroporto presidente Juscelino Kubitscheck.

Em 26/06/2018, a Segunda Turma do STF composta de cinco ministros, dentre outras decisões esquisitas, mandou soltar o ex-ministro José Dirceu de Oliveira e Silva, em decisão esdrúxula, confusa, embasbacada.

A decisão da maioria da Turma se portou totalmente conflitante com entendimento firmado pelo plenário do próprio Tribunal, que decidiu pela decretação de prisão após condenação em segunda instância, mesmo havendo recursos pendentes de julgamento.

O ministro Dias Toffoli, visivelmente atabalhoado, liderou o argumento de que mandava soltar José Dirceu, porque o mérito de recurso impetrado pelo ex-ministro ainda está pendente de julgamento.

Ou seja, Toffoli afirmou o que todo mundo já sabe: a prisão do condenado somente pode acontecer quando esgotadas todas as fases recursais, embora a esquizofrenia do STF tenha firmado jurisprudência contrária.

Dias Toffoli tomou uma decisão na base do é, mas não é, que foi seguida pela maioria. Mandou soltar José Dirceu, mas assegurou que não questionava, em nada, a prisão em segunda instância, o que dá no mesmo. Se José Dirceu estava sendo posto em liberdade porque o mérito de recurso interposto por ele ainda não foi julgado, o caso é semelhante ao de Lula da Silva e de outros milhares de presos na mesma condição, inclusive aproximados quatorze mil deles só em São Paulo.

Mais esquisito ainda foi o ministro Dias Toffoli dizer que mandava soltar José Dirceu de ofício, porque o mérito do recurso vai demorar muito para ser julgado.

Ora, mas a demora não se dá também com relação aos demais presos? Então, expeçam-se alvarás de soltura para todos eles, com base na demora do Judiciário em julgar recursos penais.

Pois bem, a Segunda Turma do STF decidiu soltar José Dirceu, em decisão de oficio, ou seja, não havia pedido da defesa nos autos neste sentido, mas a Turma decidiu colocá-lo em liberdade.

Salvo melhor juízo, o pedido da defesa era sobre aplicação da pena e não pedido de liberdade.

Qualquer acadêmico de Direito conhece a máxima: “o que não está nos autos do processo não está no mundo”. Logo, o juiz não pode decidir sobre fato não constante nos autos. Todavia, o ministro Toffoli decidiu e mais dois ministros o seguiram.

Em resumo: a gratidão do cidadão Dias Toffoli falou mais alto do que a convicção do juiz Dias Toffoli.

José Dirceu foi patrão de Dias Toffoli, o PT e a CUT foram patrões de Dias Toffoli, José Dirceu influiu na nomeação de Dias Toffoli para advogado-geral da União e depois para ministro do Supremo Tribunal Federal.

Neste caso, evidente que a gratidão está acima da Ciência do Direito. No Poder Judiciário dizem que isto não existe.

Ser grato é uma qualidade exemplar. Sentimento nobre, isto não se discute. É subjetivo, inalcançável, inatingível.

Mas, já que é assim, a gratidão que beneficiou José Dirceu deveria beneficiar também os milhares de presos que se encontram na mesma situação.

Os livros de Direito e o Poder Judiciário dizem que a Justiça é igual para todos.

O humorista diria, “me engana que eu gosto!”

araujo-costa@uol.com.br

 

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