Para o leitor entender que escrevo este texto com absoluta isenção, faço dois esclarecimentos:
Primeiro: quem lê meus artigos sabe que sou contra prisão após condenação em segunda instância, inclusive a de Lula da Silva. Entendo que Lula foi preso em momento inoportuno, porquanto ainda há recursos dele pendentes de julgamento. É o que diz a Constituição da República, embora o Supremo Tribunal Federal tenha firmado jurisprudência contrária.
Segundo: para ajuizar petição de Habeas Corpus não é necessário ser advogado, mas no presente caso, coincidentemente, dois dos três deputados federais petistas que ajuizaram a medida judicial são advogados, embora o tenham feito na condição de deputados e não no exercício da defesa técnica de Lula da Silva, que sabia da estratégia, mas faz de conta que não sabia. É papel da defesa.
Feito os esclarecimentos, lembro que a condição essencial para ser magistrado é ter notório saber jurídico e reputação ilibada.
Quando, em 2011, dona Dilma Rousseff nomeou o senhor Rogério Fraveto desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, talvez se tenha descuidado disto. Reputação ilibada não se discute, ele deve ter, mas saber jurídico ele mesmo demonstrou que não tem.
O hoje desembargador nunca foi juiz, talvez não saiba prolatar uma sentença, mas é amigo de petistas graúdos, foi filiado ao PT durante duas décadas, trabalhou na Casa Civil sob o comando de José Dirceu e, mais tarde, de dona Dilma, no governo Lula da Silva, dentre outros cargos que exerceu nos governos petistas, inclusive em Porto Alegre. Em razão disto, ganhou o honroso cargo de desembargador. Cargo vitalício, diga-se de passagem. Até morrer.
Tristemente, agora ele meteu os pés pelas mãos e enxovalhou o Poder Judiciário, na ânsia de prestar gratidão aos seus ídolos petistas, inclusive Lula da Silva. Há até, na imprensa, demonstração de tietagem com Lula. Chegou a vez da gratidão.
O desembargador Rogério Fraveto rasgou a toga, conspurcou o Poder Judiciário e apequenou-se como magistrado diante da maioria dos operadores do Direito. Lamentável.
É possível que Sua Excelência não tenha familiaridade com leis substantivas, regimento do Tribunal a que serve e, menos ainda, com o Código de Processo Penal, até porque ele foi advogado de sindicatos e, sabe-se, advogado de sindicato não cuida de direito penal, mas de negociações e normas sindicais e trabalhistas. Certamente é o que ele sabe fazer.
Convenhamos, a culpa não é dele, mas de nossa legislação, que permite que “amigos do rei” sejam nomeados desembargadores e ministros de tribunais superiores, até do Supremo Tribunal Federal, sem nunca terem sido juízes concursados e sequer redigido uma sentença. Não é mesmo, ministro Dias Toffoli?
Dentre outros, o resultado é este vexame protagonizado pelo desembargador Rogério Fraveto, que mancha a história do Poder Judiciário nacional. Ser juiz pressupõe vocação, seriedade, vontade de servir, amor ao Direito.
Ficou claro, neste conturbado pedido de liberdade de Lula da Silva, que houve uma desastrada operação malsucedida: três deputados petistas aguardaram o início do plantão do tribunal e protocolaram o Habeas Corpus exatamente alguns minutos depois, no dia em que o amigo desembargador respondia pelo plantão.
E o desembargador despachou diligentemente, apressadamente, atabalhoadamente. Até dispensou procedimento obrigatório e exigível em caso de soltura: o exame de corpo de delito, fundamental para segurança do preso e do Estado de Direito. A pressa do desembargador para soltar Lula da Silva era grande, inusitada, inexplicável.
Se o desembargador sabia da estratégia é outra história, mas ficou muito feio para ele. Feiíssimo. Primeiro, porque se presume que é amigo de um dos signatários do Habeas Corpus, para quem, em 2006, fez doação para a campanha eleitoral de deputado federal.
Precisa dizer mais alguma coisa?
Entretanto, continuemos. O que sustenta a credibilidade do magistrado e da Justiça é a imparcialidade, o que significa que o juiz decide em obediência à lei e ao direito e não em favor de amigos e pessoas de suas relações pessoais.
Mais do que a ética, as leis processuais dizem que o juiz deve se declarar suspeito, quando processos que caem sob a jurisdição de que é titular envolvem suas relações de amizade.
Risível mesmo foi a fundamentação do desembargador para mandar soltar Lula da Silva: diz que surgiu um fato novo, qual seja, Lula é candidato à presidência da República. Só ele não sabia que Lula é candidato. Sua Excelência não se deu conta do ridículo e, com isto, envolveu o Poder Judiciário nessa malandragem.
Mas o Brasil tem jeito. A Justiça, que não é a do desembargador Rogério Fraveto, mas do Brasil, decidiu a tempo. Honrosamente.
E os direitos de Lula da Silva continuam aí, intocáveis. Sua defesa técnica sabe disto e lutará por eles.
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