No meio do caminho

“Saí da autoestrada que me trazia de Florença, vinha distraído, pensando na vida, tomei um atalho que me parecia cortar caminho em direção ao centro de Roma e, de repente, me senti perdido.

Não conhecia aquelas árvores que minguavam com a chegada do inverno, nem aquelas casas esparsas e descascadas que volta e meia apareciam de um lado e de outro.

Sem referencial, sem bússola e sem cartas topográficas, o jeito foi me aproximar do homem que vinha andando pela estrada, meio curvado e, como eu, pensando na vida.

Perguntei onde estava. A resposta foi rápida e breve: “aqui”.

Não ousei contraditar a evidência de que estava ali, mas indaguei onde ficava aquele “aqui”, que ele mencionava com tanta e tamanha autoridade.

– “E eu sei?” – disse o homem, que a apesar da resposta rude, não parecia chateado.

Então, estávamos empatados, eu geograficamente, ele filosoficamente.

O diálogo seria impossível se o homem não fosse um italiano que, interrompido de pensar na própria vida, logo tratou de pensar na vida dos outros.

– “E aonde o senhor que ir? A Roma? Fazer o que lá? Sempre me perguntam onde fica Roma, e eu não sei o que tanta gente vai fazer lá”.

Pelo modo como ele falava, desconfiei de que todos os caminhos levavam a Roma, menos aquele em que me metera.

Um antepassado daquele homem, Dante Alighieri, também se perdera no meio do caminho e fora parar no inferno.

Preferi negociar:

– Olha, preciso chegar a Roma, se o senhor me der uma informação, eu posso lhe dar uns trocados.

– “Uns trocados? Pensava que Roma valia mais. Em todo caso, o senhor pegue a primeira à direita e depois vire sempre à esquerda”.

– Chegarei a Roma? Perguntei.

– “Não sei. Mas chegará a alguma parte”.

Texto extraído de “Eu, aos pedaços”, de Carlos Heitor Cony.

Observação do blogueiro:

Saudade doida de você, Cony! Você se foi antes do combinado.

araujo-costa@uol.com.br

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