Luta de palavras

“De literatura não se vive. Ao contrário, morre-se” (Everaldo Moreira Veras, da Academia de Letras e Artes do Nordeste)

Antigamente os amigos mandavam cartas. Hoje, se ainda nos restam amigos, mandam e-mails, quando muito.

As cartas eram emocionantes, extensas, saudosas. As mensagens eletrônicas de hoje são curtas, sucintas, frias, porque não redigidas à semelhança das cartas, calmamente, no remoer das emoções, no dizer da saudade.

Recebi e-mail de um leitor, que parece dar-se ao trabalho de ler meus textos. Pergunta, com a curiosidade de jovem: “Escrever é bom?”.

Não é. Escrever é uma luta de palavras. Contudo, vale a pena, quando essa luta é feita em benefício dos outros, principalmente de quem não tem voz para defender seus direitos. E neste caso, a luta sempre valerá a pena.

Eu comecei a fazer isto, ainda na vigência da ditadura militar, sujeitando-me a inúmeros riscos. Nos meus tempos de estudante em São Paulo fui vigiado, monitorado, questionado. Era perigoso contestar, discordar, sugerir, protestar.

Mas cito, para ilustrar, em resposta à curiosidade daquele leitor, algumas frases de escritores famosos, sobre o ofício de escrever. São conhecidíssimas, inclusive fartamente citadas pelo também escritor Fernando Sabino, em seu livro “Deixa o Alfredo falar!”.

Carlos Drummond de Andrade: “Só escreva quando de todo não puder deixar de fazê-lo. E sempre se pode deixar”;

Ernest Hemingway: “Procure lembrar-se dos ruídos e do que eles lhe dizem. Então, escreva sobre eles da maneira mais clara possível para que o leitor tenha o mesmo sentimento que você”;

William Faulkner: “Se a gente perde muito tempo se preocupando com o estilo, acaba não sobrando nada, além do estilo”;

Rachel de Queiroz: “Não gosto de escrever. Escrever é um sacrifício”;

Dionísio Jacob: “Eu acredito que o que leva alguém a escrever é uma necessidade profunda de dar expressão a uma voz interna. Seu foco é sempre o teatro da alma. Tudo aquilo que fala à alma pode inspirar ou motivar um texto”.

E por último, uma frase que li muitas vezes em minha mocidade, mas não me recordo o nome do autor. Fernando Sabino também nunca o citou, ou porque não sabia ou porque, de tanto conversar consigo e com os outros, acabou esquecendo: “O escritor é um homem que passa a vida conversando consigo mesmo. Só há uma verdadeira vantagem em envelhecer: é que, com o correr do tempo, a conversa vai ficando cada vez mais interessante”.

Por isto, escrever é difícil. Quem escreve fica esgueirando-se entre cristais para não dizer besteiras, cometer ofensas, produzir polêmicas desnecessárias e aguçar incompreensões.

Hoje, tempo de tanta idiotice, inclusive do “politicamente correto”, qualquer deslize pode ultrapassar o âmbito da gafe e enveredar-se para a esfera da ofensa. É muito tênue o fio entre o que é certo e o que os outros acham que é o certo.

Assim, vale citar outra frase de Carlos Drummond de Andrade: “Lutar com palavras é a luta mais vã, entanto lutamos mal rompe a manhã”.

Todavia, o que mais gratifica no espinhoso ofício de escrever é o interesse demonstrado por algumas pessoas sobre o que escrevemos. Mesmo que o escritor não seja famoso – e este é o meu caso – mas seja um sonhador incorrigível, um utópico que rema contra a maré do impossível, uma palavra sua pode servir de despertar.

E neste caminhar, é imperioso contribuir para que os jovens não descambem para o abismo da alienação e da mediocridade. É preciso mantê-los acordado para o mundo, mostrar-lhes a beleza da vida sem drogas, sem violência, sem agressão à sociedade.

É preciso ter coragem. Todos nós precisamos ter coragem, escrevendo ou não, para lutar por uma Pátria mais humana, onde todos sejam respeitados e tenham dignidade, independentemente da condição social que ostentam.

É estarrecedor ver pessoas humildes sendo tratadas com menosprezo, até mesmo nos tribunais, ao passo que, para os ricos, entendem-se tapetes vermelhos. Tapetes impregnados pelo odor da hipocrisia e da arrogância.

A luta de palavras far-se-á necessária, sempre. E lutar é bom. Talvez entre as palavras esteja alguma centelha de esperança para enfrentar o amanhã.

 araujo-costa@uol.com.br

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