Quando eu era famoso – acredite o leitor, já fui famoso nalguma quadra da vida – tinha um assistente que cuidava de minhas correspondências.
Certo dia, ao ver o nome do município do remetente, ele sapecou a observação: “você recebe carta de cada lugar esquisito!”.
Fiz-lhe ver que os lugares não são esquisitos. Esquisitos somos nós que achamos lugares, coisas e pessoas esquisitas e até fazemos observações esquisitas.
A fama passou em minha vida como um relâmpago e foi-se embora, rapidamente, sem deixar vestígios de sua passagem. Não deixou saudade.
Já a pobreza, à semelhança de uma tartaruga, chegou lenta, devagar, paciente. Companheira fiel e diuturna insiste em não me abandonar e faz questão de deixar suas marcas.
Deixar marcas é a especialidade da pobreza. É só observar os maltrapilhos, desdentados, os miseráveis que nossa sociedade cruelmente constrói com a indiferença de sua ganância.
Há marca mais cruel do que o rosto de uma pessoa faminta? Há marca mais dilacerante do que a dor de uma criatura pobre e desamparada?
Tenho sugerido à pobreza para escafeder-se, baixar noutro terreiro, mas não tive sucesso nessa empreitada até agora. É cara de pau, faz-se de desentendida, parece surda e faz questão de me aporrinhar cotidianamente. Quando me livro da dita cuja, retiro-me sorrateiramente, mas ela me alcança na primeira esquina.
Ainda falando de fama, um pesquisador, mais de fofocas do que de coisas relevantes, manifestou desejo de conhecer meu possível diário, alegando curiosidade sobre alguns pontos de minha vida.
Disse-lhe que não tenho diário nenhum, nunca me preocupei em anotar circunstâncias do meu viver, o que visivelmente o deixou desapontado.
Entendo que não tenho lições e experiências para servirem de modelo e, se as tivesse, não colocaria num diário frio, particularíssimo, solitário, passível de pesquisa, mas deixaria ao conhecer de todos.
Quanto a possíveis segredos, se os tivesse, seriam inconfessáveis ou não seriam segredos. Como diz a sabedoria mineira, “conversa com mais de dois é comício”. Os confidentes de hoje podem não ser confiáveis amanhã.
As pessoas somente se interessam por detalhes da vida de um pé-rapado se ele for meliante, assim mesmo para espezinhá-lo, trucidá-lo, expor suas entranhas, desgraças e fraquezas diante de todos.
Todavia, no recôndito de nosso ser, no âmago da existência, há sempre alguma coisa que não gostaríamos que outros conhecessem. E se é assim, guarda-se, não se coloca em diário, senão acaba virando uma crônica como esta.
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