O último depoimento de Lula da Silva à Justiça Federal se assemelhou ao humorístico Escolinha do Professor Raimundo e ao seu célebre aluno Rolando Lero.
Lula estava lá para ser interrogado, mas não sabia como responder às perguntas da Juíza do feito e do Ministério Público e, ao invés de responder, deu uma de Rolando Lero:
– Eu sou dono do sítio ou não?
Lógico que a estratégia não deu certo. Não podia dar certo.
Lula sabia do que estava sendo acusado. Ali não se tratava do sítio, propriamente, mas das reformas que lhe beneficiaram. A pergunta não fazia sentido para quem estava ao lado de seu advogado.
Não cabia à juíza responder. Quem estava ali sendo interrogado era Lula.
A linha adotada pelos acusados de corrupção é mais ou menos a mesma.
Em 1992, instalou-se no Congresso Nacional a CPI do Orçamento, com o intuito de apurar desvio de recursos do Orçamento da União pelos deputados conhecidos como “anões do Orçamento”.
Só da Bahia, havia dois deputados enrolados, acusados de desvio de recursos do Orçamento da União: Genebaldo Correia, ex-prefeito de Santo Amaro e João Alves de Almeida (1919-2004), uma espécie emblemática que ficou 41 anos na Câmara dos Deputados.
Ambos renunciaram aos seus mandatos para evitar a cassação.
Um terceiro deputado, José Carlos Aleluia, se safou das acusações, porque todas as provas contra ele desapareceram misteriosamente. Os documentos estavam armazenados em envelopes na própria CPI e escafederam-se.
A CPI requereu a repetição das provas ao Banco Central, que havia fornecido os documentos bancários de Aleluia, mas venceu o prazo da comissão e não houve tempo de incluir o nome do deputado no relatório.
Os jornalistas investigativos Gustavo Krieger, Fernando Rodrigues e Elvis Cesar Bonassa, autores de Os Donos do Congresso, de 1994, diziam que a operação para salvar Aleluia partiu de outro deputado baiano, Benito Gama, que ocupava uma subcomissão na CPI do Orçamento.
O deputado João Alves não encontrou amparo para justificar seu avantajado patrimônio, tampouco a enorme quantidade de dinheiro amealhado com a corrupção e invocou a ajuda de Deus.
– Deus tem me ajudado muito. Ganhei dezenas de vezes na loteria.
O deputado José Geraldo Ribeiro, de Minas Gerais, também investigado, não conseguiu justificar a compra de uma fazenda em Januária, lá nas barrancas do São Francisco. Negou até mais não poder a propriedade da fazenda.
O deputado petista José Dirceu, membro da CPI, que se dizia honesto e todo mundo acreditava, apresentou a escritura da fazenda em nome do deputado mineiro, registro do imóvel, CPF e tudo. O deputado acusado ponderou:
– É, pelo que está aí, eu comprei. Mas não me lembro dessa fazenda.
Ao deputado Genebaldo Correia foi perguntado se havia recebido algum cheque em pagamento de vantagem indevida. A CPI tinha cópias de dois cheques nominais ao parlamentar. Desmemoriado, Genebaldo preferiu a dúvida:
– Não me consta de ter recebido. Como posso afirmar? Não sei quando foi isto.
Como se vê, a linha adotada nas defesas dos acusados de corrupção e lavagem de dinheiro é sempre a mesma: vazia, frágil, inconsistente.
Naquela ocasião, a Odebrecht já aparecia como vedete preferida dos parlamentares. Os nomes de deputados apareciam nos papéis da construtora, analisados pela CPI, sempre associados a um percentual.
José Carlos Aleluia, por exemplo, então no extinto PFL, foi acusado de “coordenador dos interesses da empresa dentro do Congresso”. Não ficou provado, mas tinha fumaça.
Tudo isto aconteceu em 1992. Se as instituições de controle tivessem sido atuantes, talvez hoje Lula da Silva e outros tantos não estariam passando por esse vexame. E a corrupção talvez não tivesse persistido tão devastadoramente.
A Bahia, infelizmente, arquiva esse histórico vergonhoso.
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