Quando a notícia não é importante

Ainda jovem, o jornalista baiano Raimundo Reis trabalhou no Diário de Notícias, em Salvador.

Um dia foi escalado para entrevistar o governador Otávio Mangabeira (1886-1960), no Palácio Rio Branco, então sede do governo da Bahia, na Praça Tomé de Sousa.

O jornal agendou com o Palácio dia e hora da entrevista.

O oficial de gabinete encaminhou o jovem jornalista ao governador.  Raimundo Reis se apresentou e, ato contínuo, recebeu das mãos de Otávio Mangabeira um envelope e a observação clara, sem rodeios:

– Estão aqui as perguntas e as respostas. Está dispensado. Gosto muito de facilitar o trabalho de vocês.

Raimundo Reis contava que lhe faltou chão. Retirou-se. Não fez sequer uma pergunta ao governador, porque não lhe foi permitido. No dia seguinte, o Diário de Notícias publicava extensa entrevista de Otávio Mangabeira concedida a Raimundo Reis.

O jornalista sergipano Joel Silveira, apelidado “víbora” da reportagem, honra e glória da imprensa brasileira, que trabalhou nos Diários Associados, de Assis Chateaubriand, contava que foi entrevistar o general Góis Monteiro, líder e fiador do Estado Novo, como era conhecida a ditadura Vargas.

O general deu a ordem:

– Vá escrevendo o que vou lhe dizer. Confiei demais na “memória” dos jornalistas e sofri muito com isto.

E ditou a “entrevista” na íntegra. Joel apenas datilografou (naquele tempo não existia computador, era máquina de escrever).

Os grandes líderes às vezes agiam assim. Ditavam o que os jornais deviam publicar sobre eles ou o governo a que pertenciam. A imprensa os obedecia e respeitava, porque esses líderes interessavam aos jornais. Eram notícias diárias.

A rigor, não mudou muito. A publicidade que os governos pagam à grande imprensa dita a linha de pensamento das publicações, consideradas as exceções de praxe.

Hoje é comum autoridades desmentirem, através das chamadas notas, o que os jornalistas publicam, mesmo que informações colhidas em entrevistas gravadas. É uma forma de duvidarem da “memória” dos jornalistas, como dizia o general Góis Monteiro.

Um exemplo: antes de definidas as candidaturas presidenciais de 2018, a jornalista Mônica Bérgamo, da Folha de S.Paulo, publicou que a senadora Gleisi Hoffmann, presidente nacional do PT, havia dito que o partido não apoiaria Ciro Gomes, “nem que a vaca tussa”.

Ciro Gomes se sentiu traído por Lula e ficou magoado. Continua uma fera.

Depois das eleições, em entrevista à TVT, a senadora Gleisi Hoffman desmentiu Mônica Bérgamo. “Nunca falei isso”, disse a senadora.

Tarde. O estrago político já tinha sido feito e Ciro Gomes ainda esbraveja contra o PT.

A notícia nem sempre tem importância.

araujo-costa@uol.com.br

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