“Patrão, mas eu amo assim mesmo
Nem que só fique o torrão
Pode a casa cair toda
Ficar rente com o chão
Mas Bambuí sempre mora
Dentro do meu coração”
(Zito Torres, Bambuí)
Embora continuamente tentado pela grandeza histórica do poeta Zito Torres, nunca me atrevi, diante de minhas limitações, a escrever sobre ele. Entendo que não tenho o que acrescentar a tudo que já foi dito relativamente àquele grande filho de Curaçá.
Outros já fizeram com muita propriedade e sabedoria. Entretanto, consultando meus alfarrábios, deparei-me com Bambuí, clássico de Zito, primor de amor à terra e às raízes curaçaenses.
Zito – Durvalzito Dias Torres – era, por assim dizer, uma contribuição itinerante à cultura de Curaçá.
Ambos – Curaçá e Zito – se entrelaçam, ricamente, de modo que as lembranças de Zito nos fazem admirar e reverenciar sua memória, mais e mais, incansavelmente.
Tive o privilégio de conviver com Zito Torres. Convivência breve, mas respeitosa, porque Zito era assim: respeitador, educado, gentleman, essencialmente cavalheiro.
Importante o lugar de Zito Torres na história de Curaçá. Filho ilustre da terra, inteligente, humilde, fino no trato com todos e, sobretudo, rico culturalmente.
Na década de 1980 efervescia em Curaçá o movimento Curaçarte, que nasceu da inquietude de alguns jovens, dentre esses Roberval Dias Torres, Libânia Dias Torres, Josemar Martins (Pinzoh), honra e glória do povoado de São Bento, Pinduka e outros mais, tão importantes para a época e para o movimento Curaçarte quanto os citados.
Com o intuito de comemorar os cinquenta anos de vida de Zito Torres, lá por volta de 1987, o movimento o convidou para fazer um show no Teatro Raul Coelho.
Zito topou colaborar com a rapaziada e fez o show.
Talvez essa tenha sido sua apresentação artística mais importante, porque em apoio ao inconformismo daquela juventude sufocada política e socialmente dentro de seu próprio município.
Tempos difíceis. Alguns precisavam gritar. Eles gritaram.
Conta Roberval Dias Torres que Zito “cantou e encantou com um violão que tinha a ressonância de uma orquestra completa” (Insustentavelmente Trans, Editora Didática Paulista, 2002). E depois caiu na boemia com os jovens insurgentes até o alvorecer.
Não é possível, aqui, contar as façanhas de Zito. Foram muitas, inúmeras, durante sua vida efêmera, mas intensa.
Zito conseguiu conciliar o mister de escrivão de polícia e a boemia diuturna que enriqueceu a história de Curaçá. O mundo de Zito era encantador e assim ele demonstrava para todos.
No que tange a Bambuí, é antológica a referência à venda da fazenda, com tudo que tinha lá, inclusive os animais e a despedida da vaca Miúda, mesmo considerando a liberdade poética e a fértil imaginação do autor:
“No dia da despedida
Fumo dentro do currá
Se despedir da Miúda
Vosmecê pode creá
Miúda não se conteve
Sentiu também emoção
Eu vi sair dos olhos dela
Lágrimas a pingar no chão
É doloroso, patrão
Inté a vaca chorou
Lamentando nossa ausência
Miúda chorou de dor”
Coisas de poeta. Zito Torres deixou muito de sua alegria e criatividade e muito do seu ser pelas ruas de Curaçá.
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