Memória de Patamuté: Mário Matos Lopes

 

A história de Patamuté não pode ser contada, por quem dela entende – ou lembrada, por quem gosta de lembrar – sem que, em seu contexto, seja inserida a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a antiga EBCT, muito útil na vida do lugar.

Não entendo da história de Patamuté, mas gosto de lembrá-la. A juventude de hoje precisa ter conhecimento da contribuição dos antepassados na construção moral do lugar.

Patamuté teve o privilégio de contar com uma agência dos correios e telégrafos durante décadas. Foi extinta nos anos 1990, por força de uma política governamental equivocada do presidente Fernando Collor de Melo. Depois disto a EBCT esfacelou-se, passou a ser antro e cenário de corrupção, descambou para o desmoronamento e perdeu o título que detinha à época de empresa pública mais eficiente do Brasil. Mas esta é outra história.

É conveniente lembrar que naquele tempo nem todos os distritos brasileiros importantes tinham repartições dos correios com status de agência. Patamuté abrigava uma agência.

A agência teve à frente Maria Matos Lopes, casada com Otávio Lopes Martins. Na condição de agente, ela foi responsável pelos correios de Patamuté durante anos, na primeira metade do século XX.

Mário Matos Lopes, filho de Maria Matos, substituiu-a também na condição de agente, mediante concurso público. É dele que hoje me ocupo nesta pequena e modesta lembrança de Patamuté.

É difícil, em certas circunstâncias, falar de amigos. Difícil, porque pode parecer uma variante de narcisismo ou mesmo um amontoado de palavras frágeis e inconsequentes. Neste caso não é, não precisa ser. Tenho respeito pela memória de minha terra e dos amigos que me aturaram lá.

Abril de 2002. Mário me manda de Juazeiro –  Rua Marechal Deodoro da Fonseca – uma carta bonita, respeitosa, escorreita, letra inconfundível. Datava do dia 26. Guardo-a até hoje para, de quando em vez, absorver os ensinamentos, a generosidade, a consideração do amigo.

 

Não declinar o conteúdo. Conversa de amigos.

Mário Matos Lopes foi meu amigo pessoal. Com ele e sua família tive a honra de conviver durante anos. A esposa Ambrosina, hospitaleira, espirituosa, alegre e sempre atenciosa. E os filhos: Antonio Nilo Ferreira Lopes, Odete Matos e Solange Matos.

Homem de opinião e caráter irrepreensível, Mário Lopes era cuidadoso no exercício da profissão, pontualíssimo relativamente aos compromissos e dedicado aos amigos. Uma referência quando, em Patamuté, falava-se em honestidade, decência e sensatez.

A vida de Mário Lopes confunde-se com exemplo de honradez e seriedade. Também violonista, às vezes boêmio, outras vezes comedido ao extremo, era admirador de José Amâncio Filho, Meu Mano. Conhecia todas as músicas de Meu Mano e tinha predileção por “Lágrimas de Mãe”, que cantava com esmero admirável.

Os homens de opinião às vezes criam lendas, porque o mistério faz parte da construção dos mitos. Mário Lopes não abdicava de seus valores morais e sociais e, em razão disto, deixou exemplos.

Já morando em São Paulo, fui a Patamuté. Visitei-o, como de costume. Tempo em que era comum sentar-se em cadeiras nas calçadas durante a noite sem receio de ser assaltado ou molestado por intrusos.   Contou-me que teve um desentendimento com um amigo de boemia. “Em Patamuté não bebo mais. Só coloco um copo na boca depois de ultrapassar  o Paredão”. Cumpriu a palavra até a morrer.

Paredão, para quem não conhece, é um riacho que existe em Patamuté.

Mário Lopes fez essa façanha de criar uma linha divisória entre o Paredão e o cumprimento de sua palavra.

Patamuté, como todo lugar, tem seus filhos e sua história de vida. Que não pode perecer.

araujo-costa@uol.com.br

 

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