Salvo engano, há 101 comarcas na Bahia classificadas como entrância inicial.
O Tribunal de Justiça, em mais uma investida contra a sociedade, pretende prosseguir no desmonte das comarcas do interior, de sorte que nos últimos anos já determinou a desativação ou agregação de, pelo menos, 74 comarcas de entrância inicial.
Na ocasião, Chorrochó escapou dessa insensatez, mas absorveu os serviços de outra comarca.
Noutras palavras: o Tribunal de Justiça da Bahia vem espezinhando as populações dessas e de outras jurisdições que ele as elegeu como deficitárias e, por conseguinte, desnecessárias.
A Bahia está em crise. Aliás, a Bahia sempre esteve em crise, porque tradicionalmente, seus homens públicos sempre foram e continuam sendo figuras decorativas.
Inobstante as exceções, há um vazio de sabedoria e gestão na terra de Ruy Barbosa.
Um estado que faz pouco caso de suas instituições estruturais, definitivamente não é sério, não pode ser sério, nunca será sério.
Há algum tempo, o Tribunal de Justiça da Bahia iniciou um movimento de espezinhamento de sua estrutura no interior, de modo que diversas comarcas foram desativadas e os serviços absorvidos por comarcas maiores ou mais antigas, em flagrante prejuízo às populações locais.
Enquanto ministros dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal Federal, insistem em dizer que a Justiça deve aproximar-se mais da sociedade, o Poder Judiciário da Bahia trafega na contramão e vai cada vez mais se distanciando da população.
Melhor diria, vai dificultando o acesso da população aos serviços judiciais constitucionalmente assegurados.
Em quadro assim, é razoável pensar pelo lado mais simples: a cúpula do Poder Judiciário baiano, que decide essas questões, ganha muito bem e, conseguintemente, parece desconhecer o dia a dia da população carente, seus sofrimentos, suas lutas, seu desamparo.
O Tribunal de Justiça da Bahia desconhece o que significa para as pessoas pobres do interior, mormente do meio rural, que dependem de transporte e dinheiro, a dificuldade que enfrentam para o deslocamento de suas moradias, a fim de procurar o amparo da justiça nas cidades maiores. Essas pessoas geralmente não têm sequer condições de comprar alimentos em viagens longas e cansativas.
O que o Tribunal de Justiça da Bahia precisa é moralizar os vencimentos de muitos de seus servidores. Alguns ganham até mais do que um Juiz de Direito. Não estou lhes negando o mérito, mas questionando as injustificáveis distorções, que não são privilégios somente do tribunal baiano, mas de outros também.
Assim, talvez sobre dinheiro para manter as comarcas funcionando, em benefício das populações e não ter que desativá-las ou agregá-las às outras.
O objetivo do poder público não é obter lucro, mas servir equitativa e eficientemente à população. Este é um princípio elementar de direito público, que os dirigentes do Poder Judiciário baiano conhecem sobejamente.
Exemplificando: dados de 2017, em valores aproximados, dão conta de que há servidor de setor do Judiciário ganhando a bagatela de R$ 51 mil; administradores de foruns que ganham R$ 42 mil; arquivista do Tribunal ganhando R$ 36 mil; e até bibliotecária com salário de R$ 55 mil.
Isto afronta a lógica e o bom senso. É um acinte aos pobres, aos carentes, aos necessitados.
Os desembargadores embolsam uma média de R$ 40 mil por mês, salvo engano. A média de vencimento de um juiz de direito é R$ 28 mil, mais os penduricalhos previstos. Tudo legal, sem nenhum arranhão à lei. Mas a ilogicidade disto é flagrante, assustadora, inacreditável.
Pior: essas distorções estão acima do teto constitucional, que o Tribunal de Justiça certamente nega. É razoável supor que esses vencimentos estratosféricos são compostos também de indenizações eventuais, gratificações, abonos, prêmios, verbas de representação, auxílio moradia e outros penduricalhos mais, que engordam os vencimentos dos servidores e afrontam a razoabilidade.
Não duvido que esses vencimentos sejam legais. Entrementes, não há porque esconder que beiram à imoralidade.
Houve casos em que o Estado da Bahia teve que buscar recursos no Tribunal de Contas dos Municípios e no Tribunal de Contas do Estado para, com essas disponibilidades, poder atender à folha de pagamento do Judiciário. Mesmo sendo cabides de empregos, esses tribunais de contas tinham dinheiro sobrando.
Para se ter uma ideia, em 2015, a folha de pagamento do Tribunal de Justiça da Bahia girou em torno de R$ 126 milhões de reais por mês.
Por aí se vê, sem dúvida, que não é extinguindo comarcas, para teoricamente diminuir despesas, que a situação da Bahia e do seu Tribunal de Justiça vai melhorar. O que precisa melhorar é a mentalidade dos dirigentes.
Só para lembrar: em 2017, quando o Tribunal de Justiça da Bahia extinguia comarcas sob o argumento de redução de despesas, uma equipe formada de desembargadores gastou R$ 55,5 mil com despesas de viagem para a Itália, em apenas 10 dias, tudo pago pelo Tribunal. Média das diárias para cada desembargador, R$ 10 mil.
Até um digitador acompanhou Suas Excelências e recebeu R$ 11.736,00, a título de diárias.
Perdulário assim, é este o tribunal que quer diminuir gastos?
A comarca de Chorrochó, que abrange quatro municípios, incluída a sede da comarca, está ameaçada de extinção ou, no mínimo, de ser agregada a outra comarca.
Em data não muito recente, Humberto Gomes Ramos, prefeito de Chorrochó, em defesa da comarca, tocou no ponto fundamental: “a Bahia precisa é de investimento e não de fechamento de órgãos que ajudam no processo de crescimento das cidades interioranas”. Este escrevinhador acrescenta que o resto virá por consequência e certamente não será a necessidade de extinção de comarcas.
O interior precisa acordar, exigir, contestar, protestar, cobrar de seus líderes políticos para que impeçam essa ideia arrevesada de desativação de comarcas.
O Tribunal de Justiça da Bahia vem amadurecendo numa tal Comissão de Reforma Judiciária, Administrativa e Regimento Interno, ou seja lá que nome lhe foi atribuído, a intenção de continuar com o desmonte das comarcas do interior e suprimir os direitos de suas populações carentes. Um erro, uma crueldade.
A comarca de Chorrochó foi instalada em outubro de 1967. Já se vão, por aí, mais de cinco décadas. Cogitar de sua extinção é um retrocesso que somente depõe contra os defensores dessa ideia esdrúxula e desamparada de quaisquer esteios de sustentação lógica.
Enquanto a sociedade evolui, a Bahia retrocede. A população aumenta e a Bahia diminui seus serviços públicos postos à disposição da população.
Convenhamos, a Bahia está precisando de pessoas que pensem em sintonia com os interesses da população. Por enquanto, não há pessoas com esse propósito.
A comarca de Chorrochó é uma conquista de seu povo.
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