Heitor Dias (1912-2000), baiano de Santo Amaro, era prefeito de Salvador pela União Democrática Nacional (UDN).
O jornalista conservador José Augusto Berbert de Castro (1925-2008), que também era médico da Prefeitura de Salvador, trabalhava no jornal A Tarde, que fazia oposição ferrenha ao prefeito. Crítico da administração municipal, Berbert era credenciado para fazer a cobertura do gabinete do prefeito.
Um dia Berbert chegou cedo ao gabinete e perguntou ao prefeito se tinha alguma notícia de interesse jornalístico.
Heitor Dias disse: “Tenho sim. O médico José Augusto Berbert de Castro está demitido das funções de otorrino que exerce na Prefeitura. Fale de mim à vontade, Berbert, mas de graça. Eu pagando, não”.
Há uma máxima forense muito usada por juízes, advogados, promotores e demais operadores do Direito, segundo a qual “o que não está nos autos não está no mundo”. Significa dizer que o juiz decide segundo as provas acostadas no processo.
O comentarista, também, qualquer que seja seu estilo, não deve florear, ir além dos fatos.
Por conseguinte, atenho-me aos fatos ou ao que entendi dos fatos.
Não sei exatamente o que consta nesses autos, mas a imprensa noticiou que o prefeito Pedro Oliveira, de Curaçá, requereu concessão de liminar ao Tribunal de Justiça, com o intuito de revogar decisão do vice-prefeito, que cuida da nomeação de seu chefe de gabinete ou coisa parecida, ato este já submetido à apreciação do juiz de primeiro grau.
Segundo noticiado e, salvo melhor juízo, o alcaide curaçaense insurgiu-se contra a medida, porque entendeu que a prerrogativa de nomear é somente do prefeito e, presume-se, deve ter entendido que sua função, neste caso, foi usurpada pelo vice.
Parece que o prefeito alegou prejuízo ao erário e critérios subjetivos, dentre outros argumentos, o que faz pressupor que Sua Excelência prima pela legalidade dos atos de sua administração.
Todavia, o vice-prefeito também tem o dever de zelar pela coisa pública e, por certo, não teve a intenção deliberada de arranhar a legislação, ao nomear seu assessor de confiança.
Espera-se que os atos dos homens públicos sejam cautelosos, éticos, equilibrados, parcimoniosos.
Admitindo-se, por hipótese, que o vice-prefeito assinou a retro aludida nomeação no exercício do cargo de prefeito, em razão de ausência do titular ou nas demais situações previstas em lei, parece um tanto óbvio que não houve ilegalidade nisto.
Entretanto, é o Poder Judiciário que diz o direito e, neste caso, há informação de que a liminar do prefeito foi negada e, portanto, persiste a decisão do juiz de primeiro grau.
Contudo, o que chamou a atenção não foi, propriamente, a questão jurídica, que até chega a ser interessante, mas um quê de desavença política, talvez uma fumaça inoportuna.
De qualquer forma, o Judiciário decidiu, mesmo que não tenha sido em caráter definitivo.
Assim como o prefeito Heitor Dias, o prefeito de Curaçá se valeu de astúcia e insurgiu-se contra o pagamento do assessor do vice-prefeito.
Sabe como é, os vices têm vícios e um deles é torcer pelos tropeços do titular.
araujo-costa@uol.com.br
Post scriptum:
Peço vênia ao jornalista Sebastião Nery pela versão e referência a Heitor Dias e Berbert de Castro. Nery conhece e conta esta história com elegância impressionante.