A decência diante do infortúnio

A ditadura militar de 1964 corria solta.

O ator e escritor Mário Lago, honra e glória das artes nacionais, comunista até a alma, inteligente, educado, decente e monumento da história, estava apresentando um espetáculo no Teatro Santa Isabel, no Rio.

A polícia política chegou sorrateiramente e o prendeu no intervalo da peça com os trajes que estava representando o personagem e o levou para o xadrez.

Ao chegar à cela, havia outros presos, alguns conhecidos e amigos de Mário Lago e outros não.

Ao se depararem com a cena, Mário Lago pintado e roupas extravagantes, os amigos caíram na gargalhada. Os demais lançaram um olhar esquisito, gozador, insinuante.

Mário lago foi rápido:

– Olha, estou pintado e vestido assim, mas sou macho para chuchu. Não pensem que sou veado.

Mário Lago era veterano em prisões políticas. Gozador e brincalhão, conhecia todas desde os tempos da ditadura Vargas e até ensinava como os presos políticos deviam se comportar em situações vexaminosas perante os “milicos”.

A polícia prendia Mário Lago, soltava, buscava novamente, prendia de novo, intimava, fazia inquéritos, soltava, prendia, processava… E ele lá, maior que todas as ditaduras.

Esta história foi contada pelo jornalista Hélio Fernandes, da Tribuna da Imprensa, que esteve preso com Mário Lago e reproduzida pelo também jornalista Sebastião Nery, baiano de Jaguaquara e patrimônio do mundo.

Eu, que não chego aos pés de ambos, conto o episódio como entendo ou penso que entendo.

araujo-costa@uol.com.br.

Post scriptum:

À turma do “politicamente correto”, esclareço que isto é história e não palavrão ou preconceito.

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