Quando o cardeal D. Avelar Brandão Vilela era arcebispo da Bahia e primaz do Brasil, o escritor Jorge Amado lhe pediu autorização para gravar uma cena de Os pastores da noite no altar da Igreja do Rosário dos Pretos, na ladeira do Pelourinho, em Salvador. O cardeal autorizou.
Por coincidência, na mesma ocasião, o cineasta Bruno Barreto estava gravando o filme Dona Flor e seus dois maridos, também baseado na obra de Jorge Amado. Encontrou a igreja aberta e filmou nas imediações a cena em que o ator José Wilker aparecia nu, descendo a ladeira do Pelourinho entre fiéis que saíam da missa. Mas a tomada da cena de nudez, embora parcial, não foi feita no interior da igreja.
Deu uma confusão danada. Beatos e os conservadores fizeram muito barulho, disseram que a cena era atentatória à moral e aos bons costumes, o que tinha pouco de verdade, porque havia um tapa sexo. E foram protestar junto ao cardeal.
Jorge Amado teve de explicar a D. Avelar que tudo não passara de um mal entendido e que a autorização concedida era mesmo para gravar Os pastores da noite e não Dona Flor e seus dois maridos.
Elegantemente, D. Avelar aceitou os argumentos de Jorge Amado. Continuaram amigos.
D. Avelar vinha de um longo caminho. Terceiro bispo de Petrolina, sertão do São Francisco, lá ampliou as instalações do Colégio Dom Bosco e construiu a Praça D. Malan, além de ter criado a Escola de Economia Doméstica. Foi arcebispo de Teresina e prosseguiu sua caminhada conservadora até chegar ao arcebispado da Bahia (1971-1986).
Experiente, D. Avelar entendia o fio tênue em que a arte se equilibra, de modo a não se confundir com licenciosidade e tampouco com exageros e devassidão.
Hoje, há pessoas que se dizem defensoras das artes, mas espezinham, ao seu talante, símbolos da igreja católica e até usam imagens de santos de forma degradante.
Sequer comunicam às autoridades eclesiásticas sobre a intenção de se valerem de tais símbolos em nome da arte, que não é arte coisa nenhuma, mas libertinagem.
Não há cuidado, não há respeito à fé alheia, não há decência. Tudo em nome da arte.
A arte no Brasil está em franca degradação.
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