“Quando o mundo fecha uma porta, Deus abre uma janela. Quando o mundo fecha as portas e as janelas, Deus derruba as paredes” (Lídia Vasconcelos).
Em Chorrochó, sertão da Bahia, por volta da primeira metade da década de 1970, ouvi muitas vezes reflexões parecidas sobre portas e janelas fechadas, repetidas por um amigo, em meio às incertezas de nossa mocidade.
Meu amigo Antonio Euvaldo Pacheco de Menezes não está mais por aqui. Foi-se antes do combinado, como se diz no interior de São Paulo, mas as frases que ele tanto repetia continuam cutucando a saudade e dilacerando meus momentos, quando me recolho à solidão.
Nunca esqueci estas reflexões nos momentos de tropeços, que foram muitos. Continuam sendo muitos.
Hoje lembro alguns amigos. Muitos deles conhecidos nas esquinas da vida e no ziguezaguear do tempo.
Todos nós temos uma esquina em nossa vida. Se não é esta, mais próxima, será aqueloutra, mais distante e nem por isto menos importante.
Eu tive muitas e ainda as tenho. Em Patamuté, ao lado da casa de José Henrique de Souza, que também abrigava o Cartório do Registro Civil e não mais existe; em Chorrochó, a do desaparecido Bar Potiguar; em Curaçá, a do Teatro Raul Coelho; em Salvador, Rua Chile; em Petrolina, Rua Maurício Vanderley; em Juazeiro, Rua Coronel João Evangelista; em Santo André, Rua Brás Cubas; em Mauá, Rua D. José Gaspar; em São Bernardo do Campo, a esquina da Alameda D. Thereza Cristina, em frente ao meu antigo escritório.
Nas esquinas encontramos os amigos – ou aqueles que se dizem ser – colocamos a conversa em dia, sabemos da vida dos outros e, lá também, sabem da nossa. Espairecemos a sisudez da vida e construímos, às vezes, parte de nosso estado de espírito cultural.
Há notícias boas e más nas esquinas. Foi numa esquina que, décadas atrás, abri o jornal e vi meu nome na lista de aprovados no vestibular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.
Hoje isto pode não ter nenhuma importância, parece pouco, uma coisa vulgar, até visto como narcisismo, mas naquele tempo eu havia me mudado do interior do Nordeste para uma metrópole desconhecida, muito pobre e carregando sonhos, muitos sonhos. Não mudei muito.
Havia estudado em escola pública do meu sertão da Bahia e, passando a viver em São Paulo, era o coroamento de uma trajetória humilde e difícil. Uma trajetória que começou na Escola Estadual de Patamuté (saudade da dileta professora Beatriz Gonçalves dos Reis Gomes), passou pelo então Colégio Normal São José, de Chorrochó e, mais tarde, pelo Colégio Municipal Professor Ivo Braga, de minha querida e distante Curaçá.
Também foi numa esquina que recebi um telefonema noticiando a morte de minha mãe, momento muito difícil e dilacerante, talvez a primeira vez que me senti fragilizado ao extremo. Um desespero inominável e inexplicável.
O tempo também constrói suas esquinas. São as esquinas da reflexão e da sabedoria, para entendermos as quedas do caminho, os tropeços, o misturar da poeira.
Surge da queda a grandeza para enfrentarmos as adversidades e há também a esquina para mostrar o horizonte e divisar as luzes da alvorada.
As esquinas da vida também se prestam para muitas outras coisas, inclusive para servir de assunto para uma crônica de saudade.
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