Lava Jato: vazamentos, promiscuidade e o guarda da esquina

Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 1968. O marechal Arthur da Costa e Silva, segundo presidente da República do movimento de 1964, reuniu o ministério no Palácio das Laranjeiras, para discutir, editar e assinar o Ato Institucional número 5 (AI-5), que endureceu a ditadura e impôs grande escuridão ao Brasil durante duas décadas.

O AI-5 permitia cassar mandatos eletivos, fechar o Congresso Nacional, suspender habeas corpus e confiscar bens, dentre outras medidas extremas e cruéis.

Diante da gravidade da medida, o jurista e vice-presidente da República Pedro Aleixo, presente à reunião, manifestou-se contra a edição do ato e ponderou: “Com tantos poderes, não tenho medo das altas autoridades da República. Temo o guarda da esquina”.

Isto explica porque são necessários instrumentos legais para coibir a vaidade de autoridades, a exemplo de juízes e membros do Ministério Público, que acham que tudo podem e se elevam acima da sensatez e às vezes até da moralidade.

Antes de fazer alguns breves delineamentos sobre os vazamentos ilegais de conversas mantidas entre procuradores da Lava Jato e o então juiz federal Sérgio Moro, cito algumas coincidências.

Primeira coincidência: encarcerado em Curitiba, o ex-presidente Lula da Silva concedeu entrevista ao jornalista americano Glenn Greenwald, do site The Intercept Brasil.

Lula pediu expressamente ao jornalista que fizesse uma investigação sobre a Lava Jato e obteve como resposta que isto já estava sendo feito. A entrevista foi gravada e, logo, não há como desmentir ou contestar a conversa entre ambos.  

Todavia, segundo o renomado jornalista esquerdista Paulo Henrique Amorim, “isto não vem ao caso”.

Segunda coincidência: o jornalista e professor universitário Jean Wyllys, baiano de Alagoinhas, reeleito em 2018 deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro, renunciou ao mandato e foi morar na Europa. Alegou, mas não provou, que estava sendo ameaçado.

Se todos os políticos que se sentem ameaçados forem morar fora do Brasil, fecham-se as casas legislativas e o Poder Executivo em todas as esferas.

Ato contínuo, por disposição legal e regimental, assumiu a vaga do renunciante na Câmara dos Deputados, o suplente David Miranda (PSOL-RJ), que é marido do jornalista Gleen Greenwald, do The Intercept Brasil.

Em 2013, ambos – Gleen e David Miranda – estiveram diretamente envolvidos no episódio do vazamento de dados sigilosos da Agência de Segurança Nacional (NSA) americana, tendo como pivô do escândalo de espionagem o analista de sistema da Central de Inteligência Americana (CIA) e contratado da NSA, Edward Snowden que, parece, vive na Rússia.

O hoje deputado federal David Miranda, esposo de Gleen Greenwald, chegou a ser detido em Londres, por conta do episódio, mas foi liberado e retornou ao Brasil.

Contudo, como diz Paulo Henrique Amorim, “isto não vem ao caso”.

Dito isto, “que não vem ao caso” quanto aos vazamentos, o fato é que foram interceptadas mensagens entre os procuradores da Lava Jato e o então juiz federal Sérgio Moro, hoje ministro de Estado da Justiça e da Segurança Pública.

A interceptação deu-se de forma ilegal, possivelmente por intermédio de hackers contratados, o que atenta contra a segurança nacional do Brasil. Instituições brasileiras foram arranhadas, funções de Estado foram expostas e, sobretudo, escancararam-se mazelas do Judiciário e do Ministério Público perante o mundo.

Não se tem conhecimento, pelo menos por enquanto, se foi ventilada a hipótese no sentido de que as informações tenham sido passadas ao jornalista por pessoas ligadas à própria Lava Jato ou à vara federal de Curitiba, o que não é de todo impossível. Inescrupulosos existem em todos os lugares.

Talvez não se trate propriamente de vazamento, mas de espionagem, o que é completamente diferente e mais grave. As investigações dirão.

Independentemente de ser vazamento ou espionagem, indiscutível é que houve uma relação promíscua entre os procuradores da Lava Jato e o então juiz Sérgio Moro, relação flagrantemente incompatível com as atribuições por eles exercidas.

Combater a corrupção, que todos concordamos, exceto os corruptos, não pressupõe atropelar normas legais. Tampouco a lei autoriza que se cometa um crime com o intuito de combater outro.

Onde está a Lei Orgânica da Magistratura? Onde está a Lei que define as atribuições do Ministério Público?

A vaidade do então juiz Sérgio Moro e dos procuradores envolvidos no episódio não permitiu que eles exercessem suas funções com dignidade e absoluta isenção.

O que se nota é uma vergonhosa submissão dos procuradores à vontade do juiz. Um amesquinhamento que arranhou a dignidade funcional de procuradores e juiz.

Entretanto, a hipocrisia campeia nesse terreno. Juízes e promotores se comunicam constantemente sobre inquéritos, procedimentos, denúncias e processos em andamento, o que não é vedado, desde que observados os limites legais, embora para o público externo, eles sempre apregoem que cumprem a lei e agem com absoluta neutralidade. Há quem acredite.

Qualquer operador do direito sabe que juízes e promotores mantêm contatos estreitos entre eles. Negá-los é laborar na ingenuidade e brincar com a inteligência dos brasileiros.

O que não é permitido, sob pena de nulidade das decisões judiciais, é o juiz imiscuir-se nas funções do Ministério Público, o que parece ter ocorrido nos processos da Lava Jato, salvo conclusão contrária das investigações.

De qualquer forma, o corporativismo do Ministério Público e do Poder Judiciário impede mudanças significativas nas sentenças já proferidas. Certamente haverá uma enxurrada de recursos aos tribunais, interpostos pelos defensores. É direito dos que se julgam prejudicados, em razão da lambança entre Sérgio Moro e procuradores de Curitiba.

Salta aos olhos a promiscuidade havida entre aqueles agentes públicos, a julgar pela presumível veracidade das mensagens publicadas pelo The Intercept Brasil.

O episódio anuviou o horizonte do ministro Sérgio Moro. Esvaíram-se as chances de ser alçado à condição de ministro do Supremo Tribunal Federal na próxima vaga que, parece, é seu sonho de consumo e passará a conviver com a expectativa de que será ejetado da cadeira de ministro da Justiça e da Segurança Pública.

Ainda jovem, Sérgio Moro demonstrou inexperiência para lidar com a aridez e seriedade da Justiça. Resta-lhe cuidar de sua maturidade.

Como disse o jurista mineiro Pedro Aleixo, citado no início deste texto, leis fortes não se compatibilizam com agentes públicos pequenos.

 “Temo o guarda da esquina”.

Sérgio Moro é o guarda da esquina.

araujo-costa@uol.com.br

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