Último presidente da safra de 1964, o general João Batista de Oliveira Figueiredo recebeu de seu antecessor Ernesto Geisel, também general, a tarefa de coordenar a abertura política, transição da ditadura para o regime democrático.
Era o que o presidente Geisel e o general Golbery do Couto e Silva denominaram abertura “lenta, gradual e segura”.
A distensão política acabou acontecendo e o sistema democrático cuidou de aperfeiçoar o resto, tal como temos hoje, com virtudes e defeitos.
Em seu estilo rude, em 15/10/1978 Figueiredo avisou que não queria ser contrariado em sua missão: “quem for contra a abertura, eu prendo e arrebento”.
Vindas do fiador da democracia, as palavras duras soaram contraditórias. Mas, era o estilo Figueiredo, general de Cavalaria, habituado à linguagem dos quartéis, sem circunlóquios.
Amordaçada à época, a imprensa engolia os arroubos dos militares e publicava o que era possível e não o que desejava.
As notícias, comumente censuradas, saíam cautelosas, filtradas, muitas vezes codificadas, o que dificultava o entendimento de quem não estava por dentro da matéria publicada.
Hoje repórteres fazem quaisquer perguntas, mesmos aquelas sem nenhum nexo com a responsabilidade e faro jornalístico, deslocadas, fora de contexto, idiotas.
Às vezes a inexperiência dos repórteres se mistura com a falta de noção do que deve ser perguntado, o momento certo de ser perguntado, a importância da pergunta.
Semana passada, em coletiva no Palácio do Planalto, um jornalista da Folha de S. Paulo perguntou ao porta-voz da presidência, por que o presidente da República foi cortar o cabelo em horário de expediente.
Convenhamos. Pergunta sem conteúdo, desnecessária, inoportuna, imbecil.
O vazio demonstrado pelo repórter da Folha de S.Paulo deixou os colegas jornalistas presentes constrangidos.
A resposta do general Rego Barros, porta-voz do governo, não podia ter sido mais polida:
– O presidente começa a trabalhar às 4h e vai até às 22h. Há de se convir que ele encontre um momento nesse período para cortar o cabelo.
Assim como o presidente Figueiredo, Bolsonaro também tem seu estilo.
A imprensa ainda está se adaptando. Os bons jornalistas já entenderam, os maus jornalistas não querem entender.
Ontem, em visita a Sobradinho, durante o trajeto até o helicóptero, Bolsonaro deu carona a um jornalista. Este ponderou ao presidente que seu estilo está sendo o mesmo da campanha.
O presidente foi claro: “Paciência. Sabiam que sou assim”.
A imprensa vai-se adaptando ao estilo Bolsonaro. O presidente é franco e comete até “sincericídio”, em razão disto. A imprensa dá ênfase ao mais vulgar, ao pitoresco.
Faz parte. É a democracia.
araujo-costa@uol.com.br
Post scriptum:
A pergunta do jornalista da Folha de S. Paulo ao porta-voz da presidência da República se assemelha a um episódio acontecido em Brasília em 1988.
O todo-poderoso deputado Ulisses Guimarães (MDB-SP) era presidente da Assembleia Nacional Constituinte.
Em entrevista coletiva sobre assuntos da Constituição, ponderou:
– Neste caso, falaremos debalde.
Uma repórter que nunca deve ter visto um dicionário, interrompeu abruptamente o deputado:
– De que balde o senhor está falando, Dr.Ulisses?
Ulisses Guimarães não aguentou e gritou alto:
– Alguém me socorre?