O jornalista e escritor Raimundo Reis manteve aos domingos, durante 12 anos, no Jornal da Bahia, uma página inteira sob o título Os Cadernos de Raimundo Reis. Na semana, assinava uma crônica.
O Jornal da Bahia foi fundado em 1958 por João Falcão, à época militante comunista e filho de rica família de Feira de Santana.
O Jornal da Bahia abrigou, em suas páginas, dentre outros, além de Raimundo Reis: Glauber Rocha, que ainda não era cineasta, mas repórter; João Ubaldo Ribeiro e João Carlos Teixeira Gomes, mais tarde membro da Academia de Letras da Bahia.
O jornal foi implacavelmente perseguido por Antônio Carlos Magalhães, então todo poderoso governador dos militares oriundos da safra de 1964.
Em 1983 o Jornal da Bahia passou a ser dirigido pelo ex-prefeito de Salvador Mário Kértesz, por indicação de ACM, que antes queria vê-lo pelas costas.
Mário Kertész mais tarde passou a ser o manda chuva das rádios Metrópole e Itaparica FM, nascidas da estrutura do Jornal da Bahia.
Estou me referindo a Raimundo Reis, porque um leitor atento, que se dá ao trabalho de ler meu blog, cobrou-me sobre o porquê de meus textos serem confusos, segundo ele. Referia-se, propriamente, quando escrevo sobre Raimundo Reis, esse grande baiano de Santo Antonio da Glória.
Explico: como sou pobre e não tenho dinheiro para usar, uso meu estilo. E estilo é assim, inexplicável. Cada um tem o seu, assim como cada um vai a onde quer, do seu jeito. O meu é este, caro leitor.
E sobre o artigo a que o leitor se referiu com o título Macururé e Raimundo Reis, publicado em 27/07/2018, ei-lo novamente:
Raimundo Reis de Oliveira (1930-2002), baiano de Santo Antonio da Glória, antiga Curral dos Bois, hoje simplesmente Glória, sertanejo de espírito irreverente, advogado, político, jornalista, cronista, escritor e radialista. No tempo em que os partidos políticos ainda não eram esse amontoado de excrescência de hoje, foi deputado estadual pelo antigo PSD da Bahia, a maior escola política, filosófica e partidária do período 1946-1964.
Inteligente e espirituoso, apaixonado pelo sertão e por Macururé, que ajudou a tornar município, escreveu muita coisa ao longo de sua existência de intelectual.
Ele e João Carlos Tourinho Dantas, colegas na legislatura de 1959-1963, foram os responsáveis pela aprovação da lei que, em 1962, elevou Macururé à categoria de município, emancipando-o de Glória.
O biógrafo de Raimundo Reis, se um dia existir, terá que estudar muito sobre Macururé. Certamente sua tarefa será facilitada se priorizar, com afinco, o papel que o Partido Social Democrático teve no sertão baiano.
Dentre os muitos textos que escreveu sobre Macururé, no final da década de 1950 Raimundo Reis fez uma crônica bem humorada, depois publicada em seu livro Geografia do Amor, da qual extraio a seguinte parte:
“Era observador do município de Macururé junto à Conferência Internacional da OEA. Em lá chegando, logo no primeiro dia, criou-se com minha presença um caso que quase toma ares de conflito. Ao apresentar meus documentos, o presidente da Comissão de Credenciais levantou a dúvida, afirmando sem base geográfica:
– Macururé não existe.
Observei, modesto, o seu engano, esclarecendo que lá era o berço natal de Corisco* e Pente Fino, famosos cabras de Lampião. Que o maior tocador de sanfona do Nordeste morava naquela cidade.
Ele, por acaso, não tinha ouvido falar em Divina, a morena mais bonita de todo o sertão, que já tinha virado mais de dez caminhões, pois motoristas apaixonados tinham imprimido velocidade demais aos veículos para chegarem mais cedo aos seus braços de amada?
O presidente era um desinformado. Não sabia nada. Como a maioria dos diplomatas, pertencia a outro mundo.
Quem salvou a situação foi o chanceler Luís Viana Filho que, no momento, entrava no recinto. Deu a sentença final:
– Macururé existe, sim. Tive lá 50 votos para deputado federal nas últimas eleições, que me foram dados por uns parentes da minha correligionária Ana Oliveira”.
Raimundo Reis escreveu alguns livros, dentre esses Zé do Brejo, lançado por uma editora que tinha o sugestivo nome de Várzea da Ema. Tirei de lá e transcrevo o texto abaixo:
“Antes de mais nada, continuar a viver. Sem levar a sério as coisas e a nós mesmos. Não cultivar ou alimentar ódios. Fazer do amor uma oração de todas as horas.
Desprezar os maus e conviver com os bons. Respeitar a eloquência da mediocridade e exaltar o silêncio dos sábios. Achar graça da empáfia dos poderosos, esperando o dia de confortá-los nos instantes da queda próxima. Buscar a beleza em todas as suas manifestações.
Trabalhar sem fanatismo. Usar o dinheiro antes que ele nos use. Ajudar aos outros sem esperar gratidão. Ter em casa um cachorro, uma biblioteca e, pelo menos, duas garrafas de uísque.
Depender o mínimo dos outros. Saber uma oração ou uma música. Ser simples. Para ser feliz, basta um pouco de filosofia, não a dos livros, mas a que descobrimos num por de sol ou num adeus sem volta”.
E terminou o texto, assim: “Descobri que não sou. E não sendo, o resto tem pouco ou nenhuma valia”.
Raimundo Reis era encantador. Um dia me chamou de “ínclito filho de Patamuté”. Senti-me lisonjeado. Sou até hoje.
Faleceu em dia de festa, 24 de dezembro de 2002.
Raimundo foi festivo até na morte.
Noutros tempos, frequentei muito Macururé e tomava cachaça Aquino no bar de Silvino ouvindo músicas de Nelson Gonçalves. Lembro muito os lugares por onde andei.
A memória, embora esburacada pela passagem dos anos, trouxe-me hoje Macururé e essa crônica de Raimundo Reis no aniversário daquele simpático município. Coisas da saudade.
* Salvo engano, a história registra que o cangaceiro Cristino Gomes da Silva Cleto (Corisco) nasceu em Água Branca, Alagoas, em 1907. Raimundo Reis, profundo conhecedor do cangaço, sabia disto, mas enfeitou a crônica para torná-la mais interessante.
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