“Uauá, como os demais lugares convizinhos, estava sob o domínio de Canudos” (Euclides da Cunha, Os Sertões).
Ainda sob o esvoaçar das cinzas da guerra de Canudos, nasceu em Uauá a figura mais emblemática do sertão baiano, durante décadas: Jerônimo Rodrigues Ribeiro (1916-2015), mais tarde conhecido como coronel Jerônimo Ribeiro.
Uauá já não estava sob o domínio de Canudos, consoante a narrativa euclidiana, mas herdava os resquícios do coronelismo oriundo do Império e a moral inatacável comumente atribuída aos grandes homens públicos.
Jerônimo Ribeiro foi prefeito de Uauá por quatro vezes. Escritor, cordelista, político, folclorista, intelectual e outros mais que a história registra. Homem de caráter irrepreensível, serviu de exemplo para seguidas gerações.
Jerônimo Ribeiro foi eleito prefeito de Uauá na primeira eleição no lastro da redemocratização pós Estado Novo, para o período de 1948-1951, sob o manto do regime constitucional de 1946.
Governou Uauá por mais três períodos: 1955-1959; 1962-1966 e 1970-1972. Perspicaz, conviveu com dois regimes políticos: o democrático, lastreado na Constituição de 1946 e a ditadura militar oriunda de 1964.
Sirvo-me do contexto delineado pelo professor Edgard Carone, para situar Jerônimo Ribeiro em sua geração:
“Desde a Colônia, os grandes proprietários de terra vêm dominando de fato, e tornando-se os homens bons (ricos), que compõem as câmaras municipais”.
“Os barões e coronéis representam simples continuidade do sistema anterior. É que a partir da Independência e, principalmente, do federalismo da Primeira República, acentuam-se os predomínios locais, uma vez que são os representantes das oligarquias latifundiárias que dominam o legislativo e executivo”.
O fato é que o vocábulo coronelismo vem do Império, propriamente, por força da extinta Guarda Nacional.
Em 18 de agosto de 1831, nascia a Guarda Nacional, comandada pelo Padre Diogo Antônio Feijó, ministro da Justiça do Império. Durante quase um século, em cada um dos municípios brasileiros existia um regimento da corporação.
O posto de coronel era geralmente concedido ao chefe político local, assim como os postos de major e capitão. Esses chefes políticos controlavam tudo, inclusive o voto. Por isto a expressão “voto de cabresto”. Era a submissão do trabalhador rural às ordens do patrão.
Conseguintemente, a patente de coronel era atribuída ao mais respeitável líder do município. Era o coronel que abarcava o poder, em toda sua extensão. Mandava, desmandava, concordava, discordava e ia, assim, dirigindo os sertanejos, que o respeitavam com dedicação fidelíssima.
O coronelismo ostentava-se com galhardia e respeito.
Líder político respeitável e personalidade histórica de Uauá, o coronel Jerônimo Ribeiro ostentava o pomposo título que pairava sobre os obedientes redutos eleitorais, embora fosse um líder afável e querido por seu povo.
O coronel Jerônimo Ribeiro alcançou o tempo da eleição “a bico de pena”, em que os mesários escolhiam os eleitos, consoante a vontade dos coronéis.
O coronel Jerônimo Ribeiro se transformou em benfeitor e chefe local de sua gente. Mantinha liderança contínua e respeitosa. Era preparado intelectualmente e, sobretudo, consciente de seu papel perante a sociedade de Uauá.
Já se disse, alhures, que o mistério faz parte da construção dos mitos. Com Jerônimo Ribeiro deu-se o contrário: ele não se valeu dos mistérios indecifráveis do sertão e tampouco se transformou em mito, mas em homem público de valor moral inegável.
Era mais do que isto, uma figura voltada para o bem estar de seus conterrâneos. Experiente, serviu-se da política para construir sua história de sabedoria e lealdade ao seu povo.
Último dos coronéis do sertão da Bahia, longevo, admirável, inesquecível, Jerônimo Ribeiro deixou um legado de sabedoria, educação e bondade.
O coronel Jerônimo Ribeiro era um monumento de altivez e retidão de caráter.
Honra, glória e símbolo de Uauá.
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