Recebi um amigo de longa data, em meu escritório, em São Bernardo do Campo, fora do horário de expediente.
Amigo não deve ser recepcionado em meio a telefonemas, agitação, entrada e saída de clientes, muitos deles nem tão clientes assim, embora digam que seja.
O frege do dia a dia deve ficar longe das boas conversas.
Passamos horas relembrando fatos, passagens da vida, peripécias de nosso tempo da faculdade de Direito, coisas que faziam sentido e hoje não mais.
Para provocar, perguntou se eu ainda fazia discursos. “Você discursou até em enterros”, completou. Boa memória, desfiou uma série de datas, palanques, eventos, etc.
É verdade. Fiz discursos até em cemitério. Hoje não faço mais, porque se escassearam as razões para fazê-los. O encanto das razões políticas então, nem se fala, escafedeu-se.
Cadê nossas perspectivas da juventude? Onde estão os horizontes que sonhávamos? Onde foram parar as palavras que voavam nos discursos utópicos e inflamados que fazíamos?
Naquele tempo, podíamos elogiar governantes, legisladores, membros do Judiciário. Hoje não há mais a quem elogiar. Apequenaram-se todos em meio a interesses pessoais e à vaidade. Sucumbiram-se à desfaçatez, à arrogância, ao idiotismo.
Nesta quadra da vida, quando nada mais me causa surpresa, só faria discursos se fosse para falar mal, mesmo que de defunto. Há tantos que merecem uma lembrança post mortem!
Falamos de tantas amenidades, de tantos atalhos da vida, de tantas esquinas, de tantas figuras abomináveis.
Lembramos as tribunas parlamentares, os belos discursos que hoje não há mais quem faça, até mesmo por falta de inteligência dos oradores; lembramos a vigilância dos que observam atentamente as ações dos políticos sem nada poder dizer.
Lembramos o vazio das casas legislativas, a pequenez de nossos congressistas.
Em tempo de crise, havia oradores no Brasil que davam à palavra a vibração dos sentimentos da população, interpretavam os anseios populares.
À saída, meu amigo repetiu todos os defeitos que costumava despejar sobre este modesto escrevinhador. Lembrou: “cuidado para não ser expulso dos lugares por onde anda. Você continua sendo muito chato”.
Então, recordamos que, em solenidade, o crítico Agripino Grieco (1888-1973), em inflamado discurso numa cidade paulista banhada pelo Rio Paraíba do Sul, excedeu-se e disse que o Rio tinha tanta vergonha daquela cidade que mais adiante se jogava no mar.
Foi expulso da solenidade.
Meu amigo advertiu: “Convém você não se esquecer disto”.
Não vou esquecer.
araujo-costa@uol.com.br