Para ser o semeador de que nos falam os evangelistas é preciso, dentre outros atributos, crer na imortalidade da alma.
Para “retemperar o ânimo dos que se dão por vencidos precocemente”, como dizia Raul Pompéia, é necessário, sobretudo, embevecer-se na fé.
E para prosseguir no caminho do sacerdócio, é seguramente imprescindível uma inflexível lealdade aos princípios de humildade inerentes à condição de apóstolo.
Neste tempo da festa de Senhor do Bonfim, os católicos de Chorrochó também reverenciam a memória do padre Conceição.
Conheci o padre Ulisses Mônico Conceição no início de 1971, em Chorrochó, quando este escrevinhador era estudante do então Colégio Normal São José, um feito do líder Dorotheu Pacheco de Menezes junto à Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC).
A tendência para a observação, própria dos jovens, deu-me a convicção de que se tratava de uma extraordinária figura humana. O tempo se encarregou de provar-me isto.
Os jovens daquele tempo tinham grande respeito pelo vigário do lugar, líder religioso devotado à família e aos princípios da igreja.
Além da utopia e da sede do absoluto próprias dos jovens, a juventude sempre procura exemplos. Na Igreja vai buscar mutos deles.
A postura respeitosa do padre Conceição dava o parâmetro para que todos nós o entendêssemos como um líder de elevada envergadura moral.
Lembro suas andanças, passos largos e seguros, pelas calçadas de Chorrochó.
Muito presente na vida da comunidade, padre Conceição era atencioso, solícito, contemporizador. Dono de uma memória prodigiosa e de uma apreensão fulminante, atendia a todos que o abordavam.
No trato com os adultos criava um ambiente seguro, como se um amparo à pequenez dos fracos. No contato com os jovens, transmitia-lhes uma auréola de esperança necessária aos sonhos da adolescência. A experiência retratava-se nos cabelos homogeneamente brancos, tingidos pelo tempo.
Não é possível falar do padre Conceição sem associá-lo às tradições de Chorrochó. O sertão é, ainda, uma universidade de costumes.
Como dizia o intelectual sergipano Tobias Barreto, “as tradições são o passado que se faz presente e tem a virtude de se fazer futuro”. Padre Conceição participou ativamente da história de Chorrochó e viveu essas tradições.
Nas litanias e procissões que se realizavam, era o destaque, paramentos brancos, como uma flor de lírio. Recordo de sua adoração fervorosa ao Santíssimo Sacramento. Interpretava magistralmente a fé.
Nascido em 09.09.1914, em Conceição de Almeida, faleceu em 26.01.1986 em Chorrochó, torrão ao qual vinha se dedicando desde o meado da década de 1950, primeiro espontaneamente, depois na condição de vigário da Paróquia do Senhor do Bonfim de Chorrochó, que ajudou a ser realidade e criada em 27.01.1985. Uma acertada decisão da diocese em favor de Chorrochó.
A Paróquia de Chorrochó está completando 35 anos. Nela se insere a participação frutífera do padre Conceição, esteio de sua história.
Vinha já de caminho longamente trilhado. Professor do Colégio Padre Antonio Vieira, em Salvador, certamente lá deixou fincada a eloquência de seus ensinamentos. Eloquência que talvez tivesse origem no sermão que o próprio padre Vieira pregou em maio de 1640 na igreja de Nossa Senhora da Ajuda, quando os holandeses apertavam o cerco à cidade da Bahia.
As ações do padre Conceição e as palavras do padre Vieira guardam incrível semelhança: a intensidade da fé.
A opção pelo sertão sofrido foi uma de suas qualidades de pastor humilde. Ter-lhe-ia sido fácil ficar na cidade grande, onde a comodidade das estruturas de vida e trabalho seria mais favorável. Não o fez. Preferiu Chorrochó, onde outro pastor andante, Antonio Conselheiro, no final do século XIX, edificou a primeira igreja até hoje existente, que resistiu ao implacável passar dos anos e às intempéries.
O beato Conselheiro foi fixar-se nas fraldas das serras contíguas ao Vaza-Barris, onde em 13.06.1893 fundou Belo Monte, hoje Canudos, para ali construir uma sociedade supostamente igualitária.
Chorrochó, como outras localidades do sertão, ergueu-se sobre o pedestal da fé e perdurou. Canudos foi destruído pela crueldade dos homens, mas “não se rendeu”, como disse Euclides da Cunha.
Padre Conceição sempre foi atento aos pequenos nadas de que se compõe a vida, um homem de personalidade marcante. Substituiu-o na igreja de Chorrochó, outro religioso dinâmico, ativo e muito dedicado à obra de Cristo: padre Mariano Pietro Brentan, um italiano trabalhador e dedicado às causas da igreja.
araujo-costa@uol.com.br