Na Bahia, um deputado sem nexo e sem rumo

A Câmara dos Deputados compõe-se de variadas bancadas. Há a bancada da bala, bancada ruralista, bancada evangélica e outras até exóticas.

É possível que venha surgir outra bancada, a do gueto, que o deputado federal baiano Igor Kannário (DEM) parece disposto a instituir. A bancada pode ser constituída de um deputado apenas que, inclusive, pode ser líder de si mesmo.

Por definição, gueto é o local em que uma minoria está separada do resto da sociedade. Trata-se de isolamento social, via de regra, permanente.

É esta minoria silenciosa que o deputado Igor Kannário diz representar e defender.

O Congresso Nacional – Câmara dos Deputados e Senado Federal – caracteriza-se pela pluralidade. É essencialmente democrático. Todas as camadas sociais, em tese, estão lá representadas. Ou deveriam estar.

O deputado Igor Kannário representa um segmento social que sempre esteve à margem das decisões nacionais. Em consequência, é valoroso seu papel parlamentar no sentido de representar quem não tem voz, os habitantes periféricos da metrópole soteropolitana.

Ocorre que o deputado também é simulacro de cantor e, por isto, canta o que esse segmento social, que ele diz representar, vive e pensa. O deputado até se intitula “príncipe do gueto”. O problema é a forma arrevesada com que ele interpreta esse sentimento do gueto.

Entretanto, o que não fica bem é a falta de educação de Sua Excelência. Por vezes provoca a Polícia Militar da Bahia e solta palavrões impublicáveis, o que, convenhamos, não fica bem para um deputado.

Parece que ele tem dificuldade de entender a liturgia do cargo de deputado federal.

É certo que Sua Excelência tem imunidade parlamentar por suas opiniões e palavras, mas a boa educação recomenda que os limites sejam respeitados.

Exageros não se recomendam em lugar nenhum e menos ainda em boca de deputado.

Recentemente em Juazeiro-BA, o Poder Judiciário, a pedido do Ministério Público, recomendou que não fossem contratados para o carnaval cantores cujas músicas, letras e coreografias contivessem teor discriminatório e incentivo à violência contra mulheres, à homofobia, et cetera.

O deputado-cantor Igor Kannário enquadra-se neste cenário, mas parece que se comportou razoavelmente.

Em data mais recente, no carnaval de Salvador, o dito deputado andou ofendendo publicamente a Polícia Militar do estado, conduta incompatível com sua condição de deputado, embora na ocasião do destempero ele não estivesse no exercício da atividade parlamentar. Mas neste caso, é difícil separar o cantor do deputado. São indissociáveis.

Ninguém achou graça nas ofensas do deputado à instituição, nem mesmo Antonio Carlos Magalhães Neto, prefeito de Salvador e presidente nacional dos Democratas (DEM), partido do deputado.

Todavia, o DEM apequenou-se ao silenciar neste episódio do deputado Igor Kannário.

A gloriosa Polícia Militar da Bahia deve ser respeitada por todos, independentemente de partidos políticos. É patrimônio valoroso dos baianos, instituição respeitável que não se confunde com eventuais e isolados desvios de conduta de alguns de seus membros.

Mas voltando ao gueto. O gueto também gosta de coisas boas, de músicas boas.

Por exemplo, conhecidas boas músicas da boemia carioca foram compostas por moradores dos morros, das favelas, da periferia.

Talvez em razão da ausência de pessoas que lhes representem dignamente, os habitantes da periferia agarram-se em políticos vazios, estrambóticos, desrespeitosos, aventureiros, eventuais. É uma forma de a periferia marcar presença diante de uma sociedade que a rejeita e espezinha.

Morar na periferia não significa, necessariamente, gostar de coisas ruins.

O deputado Igor Kannário parece sem nexo, sem rumo e desconectado do mundo político.

Ainda não descobriu a diferença entre cantar, representar o povo com dignidade e respeitar as instituições.

araujo-costa@uol.com.br

 

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