Nas eleições é preciso vigiar os mortos

A imprensa noticiou que o Tribunal Superior Eleitoral detectou pelo menos sete mortos que “assinaram” a lista de fundação do Aliança pelo Brasil, partido que está sendo viabilizado pelo presidente Bolsonaro, após sua desfiliação do enrolado e corrupto Partido Social Liberal (PSL).

Como diz a sabedoria popular, das duas uma: ou essas pessoas morreram após o colhimento de suas assinaturas ou, embora mortas, continuam vivíssimas da silva e “aptas” a votarem em quaisquer eventos eleitorais. Nesta hipótese, abundam espertos e mentecaptos na organização do partido, o que é um mau sinal de falta de seriedade partidária.

Noutras palavras, o Aliança pelo Brasil está começando à semelhança dos partidos políticos já existentes, verdadeiras excrescências, um amontoado de interesses eticamente duvidosos.

Entretanto, não há nenhuma novidade nisto. No Brasil, os cemitérios sempre foram eficientes lastros de seções eleitorais desde a República Velha (1889-1930) até os dias de hoje.

A propósito, um fragmento de matéria publicada em 2015 pelo jornal A Tarde, de Salvador:  

“A fraude eleitoral existe desde a República Velha que encerrou a monarquia em 15 de novembro de 1889. A mais tradicional era a “bico de pena” efetivada com a adulteração das atas elaboradas pelas mesas eleitorais, responsáveis pela apuração dos votos. Nesse cenário os mortos e ausentes já “votavam”.

O processo era todo controlado no interior pelos “coronéis” que através do “voto de cabresto” indicava quem o eleitor deveria votar. Havia ainda a fraude que consistia em dividir entre candidatos em conluio os votos em branco e nulo, evidentemente com mesários cúmplices” (A Tarde, 16/11/2015).

Em Simões Filho, município da região metropolitana de Salvador, nas eleições de 2016 descobriram-se 30 mortos na rubrica “aptos a votar” no cadastro do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia. Ou seja, embora já falecidos, os eleitores continuavam ativos no sistema do tribunal, um maná para políticos inescrupulosos que, como formiga, existem em todo lugar.

Mais: o Tribunal havia feito uma correição na zona eleitoral de Simões Filho, ocasião em que poderia ter detectado os mortos e atualizado seu cadastro, até porque a legislação determina que o eleitor que não vota em três eleições consecutivas e não justifica terá seu título cancelado.

Ademais, os cartórios encaminham os registros de óbitos aos tribunais eleitorais que, presume-se, atualizam ou deveriam atualizar seus cadastros.

Em consequência, “votam” os mortos e ausentes. Então, se mortos e ausentes continuam teoricamente “aptos a votarem” é razoável entender que o sistema dos tribunais eleitorais é falho ou são relapsos os servidores que devem monitorar essas mutações inevitáveis.

Como se vê, o sistema dos tribunais eleitorais não tem robustez técnica para detectar os nomes das pessoas mortas, tampouco os ausentes.

Ou seja, nosso sistema eleitoral que as altas instâncias da Justiça Eleitoral dizem que é seguro, não é.  Nunca foi. Está longe de ser.

Como se diz nas academias de direito, em latim, mutatis mutandis. Se o sistema que acolhe os votos é falho, as urnas eletrônicas também, por consequência, estão arranhadas, padecem de vícios.

O TSE não admite que nosso sistema eleitoral é falho. Mas há inegáveis evidências no sentido de tentar tapar o sol com a peneira.

O fato é que a fraude eleitoral macula o exercício da democracia. Desequilibra a disputa, distorce a vontade do eleitor.

Portanto, nas eleições, candidatos e sociedade como um todo devem ficar atentos.

Então, vigiar os mortos. Eles podem votar.

araujo-costa@uol.com.br

Deixe um comentário