Em 1968 o paraibano Geraldo Vandré balançou as estruturas do regime militar ao cantar “Caminhando – Pra não dizer que não falei das flores”, que acabou se transformando em hino da esquerda e do movimento de resistência estudantil à ditadura.
O poderoso coronel Otavio Costa entendeu que a música era um “toque de reunir para a subversão e um acinte às Forças Armadas”. Ele era chefe da Assessoria Especial de Relações Públicas do governo do marechal-presidente linha dura Arthur da Costa e Silva.
A ditadura militar corria solta, implacável.
Em 13 de dezembro de 1968 veio o Ato Institucional número 5 (AI-5), que endureceu o regime, prendeu, matou, torturou, suprimiu liberdades, censurou a imprensa, arrebentou direitos, esgarçou o tecido político e social, além de outros absurdos.
O resto da história é sobejamente conhecido. Geraldo Vandré andou desaparecido, viveu no Chile e em Paris e, na volta, se disse arrependido e “recuperado para a democracia”.
Vai daí que Geraldo Vandré sempre foi de direita e a esquerda ingênua se comportou conforme a aparência equivocada dos ventos que a levava às ruas.
Geraldo Vandré passou a frequentar as rodas militares e embrenhou-se no Clube Aeronáutico do Rio de Janeiro, de modo que, pelo que ele disse depois, “Pra não dizer que não falei das flores” nada tinha a ver com protesto político, foi uma casualidade absorvida pela esquerda.
Pois bem. Além das patacoadas neste tempo de governo Bolsonaro, a polêmica agora é a convocação de protestos para o próximo dia 15 de março cujo objetivo não se sabe bem qual é, embora admiradores do governo espalhem por aí que são contra membros do Congresso Nacional e ministros do Supremo Tribunal Federal.
Em resumo, dizem eles: os protestos são a favor da democracia.
O inusitado é que tais e inoportunos protestos não estão sendo convocados pela esquerda atrapalhada e barulhenta, mas pela direita bolsonarista.
Entusiastas dizem que os protestos são contra os privilégios elitistas de políticos e magistrados que, de fato, existem, e também contra a usurpação de prerrogativas do Poder Executivo pelo Congresso Nacional.
Vamos ver no que vai dar.
Convocar protestos para expor congressistas e magistrados não parece sensato nessa quadra do tempo em que o governo demonstra estar perdido naquilo que se propôs colocar em prática.
É mais lenha nessa fogueira insensata.
O governo precisa encontrar um símbolo para se firmar seriamente nessa sua fase conturbada. Não há um “Pra não dizer que não falei das flores” às avessas.
O fato é que não fica bem convocação às ruas feita pela direita que está no poder, seja ela moderada ou extrema.
Parece falta do que fazer. O movimento convocado para as ruas é inoportuno. Não tem muito sentido.
O brasileiro está precisando de emprego, dinheiro para pagar suas contas, meios de sobreviver e cuidar de sua família.
O resto é delírio de despreparados.
Corruptos há em todos os estamentos: o Poder Judiciário está infestado deles, o Ministério Público, as Casas Legislativas em todas as esferas, o Poder Executivo, essencialmente corrupto.
Há outras formas de combater privilégios e debelar a corrupção: leis mais duras, vigilância permanente e cerco aos corruptos deslumbrados de direita ou de esquerda.
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