O pouso do avião e o coronavírus

O avião, um Boeing, em preparação de pouso, sobrevoava o rio de águas barrentas.

Cidade média de casas baixas, céu bonito, paisagem encantadora, ruas arborizadas.

Viam-se os casarões antigos da cidade entre o verde e copas de árvores frondosas bem próximas.

Até aquele momento, absorto na leitura de “Vidas Secas”, do mestre Graciliano Ramos, o passageiro estranhou os procedimentos adotados pelo piloto e, segundo ele, notou que a barriga da aeronave parecia roçar nas árvores.

Entrou em pânico. Remexeu-se na poltrona, agitou-se, ameaçou levantar, demonstrou falta de ar, inquietação.

Uma mulher sentada ao seu lado, tranquila e segura, tentou acalmá-lo e explicou que tudo estava normal no voo. Tudo normal, como de outras vezes e era comum naquele costumeiro trajeto de muitas idas e vindas.

O homem não se conformou:

– Estamos caindo, minha senhora. Não vê que a aeronave está muito baixa?

Demonstrando tranquilidade a mulher disse o óbvio:

– Meu senhor, para aterrissar, o avião precisa perder altura.

Tenho mania de querer entender as coisas.

Início de uma noite qualquer, após o expediente, bar cheio, burburinho, vozes abafadas, encontrei um amigo entendido em generalidades. Contei-lhe a história. Ele deu uma aula magistral para embasar o que dizia e concluiu: em situações de medo, qualquer pessoa pode perder a capacidade de raciocínio.

Era o caso daquele passageiro, incapaz, naquele momento, de entender o pouso do avião.

No calor da conversa, surgiu outra dúvida e, num daqueles ímpetos de idiotice que sempre insistem em me cutucar, questionei-o: é perda de raciocínio ou instinto de sobrevivência?

Já com alguns uísques a mais, ele foi  incisivo, quase cruel:

– Num avião caindo faz diferença?

Não faz. Há casos em que é melhor continuar com a dúvida.

Com a disseminação do coronavírus, estamos em situação semelhante ao passageiro: em pânico.

O mundo parece estar enfrentando o maior desafio deste século, até aqui: encontrar meios de evitar que as populações sejam dizimadas.

O Brasil está com medo. Tempos difíceis.

araujo-costa@uol.com.br

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