“Lula é emotivo e sensível, inteligente e articulado e com senso de oportunidade como qualquer bom aluno de Maquiavel. Mostra-se como homem de ação e não de reflexão” (Brito Alves, mestre e doutor em Economia, ex-secretário da Fazenda da Bahia, in A história de Lula, o operário presidente).
O ex-presidente Lula da Silva se acha a quintessência da intocabilidade.
Não duvido que seja, mas não custa nada pisar no chão de quanto em vez.
A imprensa publicou em data recente, com base em documento oficial do Tribunal de Justiça de São Paulo que, além de outros bens, D. Marisa Letícia deixou aproximadamente R$ 256,6 milhões em certificados de depósitos bancários (CDBs) num único banco privado.
O juiz do feito pediu para Lula da Silva esclarecer se, de fato, esse robusto valor está demonstrado corretamente no processo de inventário ou se há alguma coisa a corrigir. Presume-se, então, que para o magistrado não está claro.
A dúvida do magistrado tem razão de ser. É uma questão formal que reflete no recolhimento de custas processuais e na partilha dos bens entre os herdeiros da falecida.
Ademais, segundo o próprio Lula, D Marisa trabalhou em casa de família e dos 13 aos 21 anos na linha de produção de uma fábrica de chocolate em São Bernardo do Campo. Deixou de trabalhar fora de casa e se dedicou à família e a cuidar zelosamente dos filhos.
Sendo assim, convenhamos, amealhar tão grande patrimônio financeiro não é comum em se tratando de uma humilde dona de casa que, aos nove anos, já trabalhava como babá para ajudar no sustento da família.
Lula da Silva apressou-se em dizer que se trata de fake news.
A notícia é lastreada em documento extraído do processo de inventário e, logo, não pode ser falsa. A imprensa exibiu o documento oficial da primeira vara de família e sucessões de São Bernardo do Campo.
Se no arrolamento dos bens deixados pela falecida houve erro material, isto não lastreia a alegação de que a notícia é falsa. Os doutos advogados de Lula farão a correção e pronto. Fato comum e corriqueiro na vida forense.
Mais: se o valor constante nos autos não corresponde à realidade, uma simples petição corrigindo-o resolve a questão. E só. Uma coisa é o juiz pedir para esclarecer, outra coisa é a eventual confirmação da existência dos R$ 256,6 milhões.
Mas o que interessa aqui não é o estratosférico e suposto valor que a falecida deixou, se deixou. Esta é uma questão particular e familiar de Lula da Silva e não interessa a ninguém, a menos que se trate de dinheiro de origem duvidosa, o que não deve ser o caso e, se fosse, a vara de família não é a instância judicial competente para esse questionamento.
É uma questão de somenos. Tempestade em copo d’água.
Mas Lula é uma figura pública, exerceu o mais alto cargo da República e quem se dispõe a exercer cargo público deve se submeter ao dever de transparência relativamente à sociedade.
A questão aqui é outra, bem outra. O inventário de D. Marisa Letícia, salvo engano, tramitou ou tramita em segredo de Justiça. Se não há segredo de justiça, tratando-se de assunto de família, o processo não é franqueado a qualquer pessoa.
Em quadro assim, ninguém tem acesso ao processo, exceto o juiz do feito, serventuários da vara de família respectiva, os advogados do ex-presidente e procuradores da fazenda estadual.
Então, pergunta-se: quem extraiu a cópia do longo despacho do juiz declinando os vultuosos valores e determinando que Lula esclareça tais valores?
Quem passou a cópia para a imprensa?
A imprensa publicou o que lhe caiu às mãos. É o dever de informar.
Como se vê, parece razoável entender que houve uma transgressão à lei. Quem a transgrediu, se transgrediu?
Entretanto, Lula se acha no alto grau da perfeição. Em vez de procurar saber quem passou para a imprensa o documento extraído do processo, achou por bem misturar alhos com bugalhos, o que, aliás, é seu feitio: disse que se tivesse esse dinheiro, daria 80% ao juiz do feito.
O que o juiz tem com isto?
O magistrado apenas preside o processo de inventário.
É a politização desnecessária de um assunto estritamente judicial.
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