“A morte é uma sombra que não cobre o sol da vida” (José Sarney, escritor, ex-presidente da República).
Estávamos no começo de 1971.
Passei a conviver diariamente com Laudimiro Batista Veras (1929-2002), impoluto e admirável exemplo de vida e de caráter irrepreensível.

Éramos estudantes do curso ginasial do então Colégio Normal São José, de Chorrochó.
Eu, jovem tabaréu saído da roça, acostumado a viver entre as pedras e cactos do Riacho da Várzea, lá nas bandas de Patamuté, cheio de sonhos e com perspectivas de ir muito longe em direção a novos horizontes. Não consegui.
Continuo tropeçando nos obstáculos da vida, que são muitos. Nem sempre tenho conseguido sacudir a poeira das quedas surgidas ao longo do caminho, mas nunca desisti da caminhada.
Laudimiro mais experiente, mesclando as profissões de dentista e fazendeiro ou, mais apropriadamente, de criador de algumas cabeças de gado, que lhe tomavam o tempo e abrandavam o caminhar.
A amizade nasceu e cresceu ali, em meio às carteiras do Colégio São José. Carteira era o sinônimo que se usava, comumente, para designar as escrivaninhas do Colégio, que eram simples, amarronzadas, mas se tornaram inesquecíveis.
A insensatez que se abateu sobre Chorrochó, décadas mais tarde, preferiu não preservar a história, mas transformar o prédio do Colégio em escombros, mais do que isto, em poeira, em nada.
Laudimiro, exímio orador, deu-me os primeiros arcabouços de como falar em público. Esqueci uns, guardei outros tantos e alguns me servem até hoje como sustentáculos para expressar meu pensamento, quando necessário. Sou péssimo orador, titubeante caçador de palavras.
É impossível pronunciar certas palavras, em público, sem que me venham fortes lembranças de Laudimiro. Tinha-o como mestre. Elegante, sincero, empírico, delineava claramente suas ideias.
Laudimiro tinha curiosidade enciclopédica, procurava saber tudo sobre os meandros do conhecimento e, de fato, sabia muita coisa.
Sempre volto à leitura de um livro (A Sexualidade no Terceiro Milênio) de autoria do médico urologista Dr. Washington José Veras Pacheco de Menezes, filho de Laudimiro e casado com a também médica Vera Freire.
Vi, incontáveis vezes, esse menino Washington, hoje doutor e profissional respeitado, acompanhando o pai pelas ruas de Chorrochó.
Membro da Sociedade Brasileira de Urologia, com passagem honrosa pela cátedra da Universidade Federal de Sergipe, o Dr. Washington certamente herdou do pai, sua maior qualidade: a humildade.
Em razão da passagem do tempo, é de supor que Dr. Washington angariou outros títulos em sua área, robusteceu o conhecimento, enriqueceu a profissão.
Esse livro me foi autografado pelo autor em 24/01/2004 em Chorrochó. Ao fazê-lo, em dia de festa, ele não notou minha emoção, até por sua semelhança física com o pai.
Tinha-o visto há algumas décadas, ainda na infância.
Laudimiro era humilde, companheiro, prestativo e, sobretudo, amigo. Deus o levou em junho de 2002, antes de completar 73 anos, jovem ainda, porque era idealista incorrigível e idealista nunca fica velho.
Ainda guardo muitas de suas magistrais lições e lembro muito os seus sonhos que os defendia com impressionante energia e sustentabilidade de argumentos.
Lembro o começo da amizade construída sobre o pedestal da honradez e sinceridade. As exigências da vida me fizeram distanciar-me de Chorrochó e por lá deixei o colega do Colégio São José.
Guardo outra lembrança também inolvidável: em julho de 2013, Chorrochó perdeu Maria Nicanor de Menezes Veras, viúva de Laudimiro, com quem teve os filhos Washington José Veras Pacheco de Menezes, Lincoln Marcelo Pacheco de Menezes Veras e Lydia Cristina de Menezes Veras.

Nicanor era uma espécie de professora emérita do município. Emérita, porquanto respeitada, emérita porque impoluta e sábia, emérita porque essencialmente mestra.
Pioneira no ensino ginasial e colegial, D. Nicanor foi professora no Ginásio Oliveira Brito, embrião do mais tarde cenecista Colégio Normal São José.
Também advogada, Nicanor participou da vida de Chorrochó em toda sua plenitude.
Exemplo histórico: Nicanor estava com o governador Luís Régis Pacheco Pereira na solenidade que formalizou a emancipação do município de Chorrochó.
Guardo a honra de ter sido seu aluno no então Colégio Normal São José.
Nicanor educou gerações, semeou bondade e lucidez e, sobretudo, firmou-se como exemplo de vida e humildade.
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