A igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, em Salvador, sempre exerceu um fascínio sobre este humilde escrevinhador.
Lá os frades carmelitas acolhiam piedosamente os escravos, minorando-lhes o sofrimento imposto por seus senhores.
Mas aqui a história é outra.
Há algumas décadas. Estávamos em ano de eleições municipais.
O prefeito que saía me nomeou auxiliar de ensino da rede municipal, no último semestre de sua administração.
A única rede que eu conhecia até então era aquela que a gente costumava armar no alpendre da fazenda para descansar, em absoluto estado de malemolência.
Veio janeiro, o prefeito saiu e deu-se a posse do sucessor eleito. O novo prefeito, que parecia ser meu amigo, assumiu e imediatamente me demitiu, num de seus primeiros atos.
Cidade pequena, minha exoneração saiu em tudo que era roda de fofoca.
Não cheguei a tomar posse e não auxiliei ninguém – já que minha função seria de auxiliar – e por isto não recebi sequer um centavo daquilo que os servidores públicos chamam pomposamente de vencimentos. Pobre mortal, nunca entendi a diferença prática entre vencimentos e salário.
Um dia, encontrei o prefeito na rua e lhe perguntei qual a razão de minha demissão, mais em tom de curiosidade do que de reclamação.
Depois dos salamaleques de praxe, ele disse que foi obrigado a demitir-me porque o adjunto de promotor da comarca (naquele tempo promotoria tinha adjunto) ajuizou uma medida judicial aduzindo a ilegalidade da nomeação, porque feita em período eleitoral, o que a lei vedava. Ainda hoje veda.
Tinha razão o atento adjunto de promotor. Tinha razão o prefeito. O prefeito só não tinha razão num ponto: de todos os nomeados no período questionado, diziam as más línguas, que eu fui o único a ser exonerado. Nunca procurei saber.
No fundo, este episódio me foi bom. Como ainda hoje, eu não tinha nada para ensinar a ninguém.
O que tem a igreja da Venerável Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo com isto?
Absolutamente nada. Mas foi lá, depois de perambular pelo centro histórico de Salvador, que um dia eu fiz uma reflexão em dia de solidão e passei a não mais acreditar nos homens públicos.
Tenho seguido isto à risca. E tem dado certo.
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