A lista da Fundação Palmares

José Henrique de Souza, Oficial do Registro Civil de Patamuté, nos esturricados rincões do município baiano de Curaçá, cravou no Livro de Registro de Nascimentos do distrito e, por consequência, em minha certidão de nascimento: cor parda.

Letra escorreita, em caneta tinteiro (naquele tempo não existia esferográfica por lá), José Henrique perenizou a história do nascer de inúmeros filhos de Patamuté.

Anos mais tarde, já rapaz, sentava-me todas as noites na calçada da casa de José Henrique com ele e sua esposa Eliziária e lá ficávamos conversando até tarde sobre tudo, inclusive nascimentos e registros.

Essa canetada de José Henrique me habilitou a fazer parte da estatística que, em 2017, segundo o IBGE, atestava que a população do Brasil compunha-se de 55,4% de negros e pardos.

Zeca Babau, como José Henrique de Souza era carinhosamente conhecido em Patamuté, inseriu-me nesse saudável segmento étnico, que a estatística do IBGE contempla.

Só para recordar, em 2017, segundo o mesmo IBGE, 82,1% da população de Salvador (8 em cada 10 moradores) era formada de pretos ou pardos.

Logo, ser negro no Brasil faz parte de nossa história cultural, de nossa honra brasileira e de nossa cidadania.

Faço esses prolegômenos, tendo em vista o noticiário publicado na imprensa, segundo o qual o presidente da Fundação Cultural Palmares excluiu a ex-ministra Marina Silva da “lista de personalidades negras do Brasil”.

A grande imprensa quase derrubou o que resta das estruturas culturais do governo porque, segundo jornalistas desocupados, o ato do presidente da Fundação Palmares foi uma afronta a Marina Silva.

Convenhamos, uma babaquice.

Que diferença faz, para Marina Silva, para o seu caráter e sua história de luta em defesa do meio ambiente e de seus ideais, que ela deixe de fazer parte dessa lista, que a Fundação Palmares instituiu, sabe-se lá com que intuito?

Personalidades negras somos todos nós, pretos e pardos do Brasil, independentemente de ideologia, classe social e de uma Fundação Palmares prenhe de politicagem.

Personalidades são todos – pretos, pardos e brancos – construtores deste retinto e imenso Brasil.

Essa lista que a Fundação Palmares criou é pífia, desnecessária, inútil.

Ninguém – Marina Silva ou qualquer outra pessoa negra – perderá sua dignidade e honradez porque deixou de fazer parte dessa lista infame engendrada pela Fundação Cultural Palmares.

O barulho que a imprensa protagonizou a respeito desse assunto nada mais é do que coisa de quem não tem o que fazer. Ou dizer.

Post scriptum:

Os dados estatísticos foram colhidos da publicação Bahia Econômica, de Armando Avena, 19/11/2018.

araujo-costa@uol.com.br

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