Luiz Carlos Paraná, paranaense de Ribeirão Claro, boêmio e compositor de Maria, Carnaval e Cinzas, que Roberto Carlos gravou, era dono do bar Jogral, no centro de São Paulo, primeiro na Galeria Metrópolis e depois na Rua Avanhandava.
O Jogral era ponto de encontro de jornalistas, escritores, músicos, cantores, compositores e intelectuais de toda ordem e de todos os lugares.
O escritor Mário Prata, que ainda não era famoso, havia escrito e mimeografado o livro O morto que morreu de rir.
Luiz Carlos Paraná comprou 50 exemplares do livro para presentear amigos e clientes do Jogral e propôs a Mário Prata o pagamento em 50 doses de uísque.
Mário Prata aceitou. Consumidas as 50 doses combinadas, não parou e continuou tomando uísque por muito tempo por conta dos livros.
Até hoje ele conta a história.
Talvez tenham sido os livros mais caros de Mário Prata.
Ainda não vivíamos em tempo de “politicamente correto” e nossas inocentes gafes não chegavam a ser interpretadas como ofensas à sociedade, diferente do que acontece hoje.
Em ambientes de descontração, a fumaça dos cigarros de alegres e noctívagos boêmios se misturava à voz de Núbia Lafayette cantando Devolvi, clássico de Adelino Moreira, Lama, de Mário Lago, A Flor e o espinho, de Nelson Cavaquinho e tantas outras, ao tempo em que boêmios despretensiosos comentavam casos de dor de cotovelo, paixões e pretensões amorosas.
Não existia fumódromo em bares, não havia lei restritiva do cigarro em quaisquer ambientes.
Mas, por educação – e educação sempre coube em qualquer lugar – era comum fumantes perguntarem ao vizinho de mesa se podia fumar ao redor ou se a fumaça estava incomodando.
Tudo isso era normal.
Ato tão corriqueiro, ainda que em ambientes de boemia, fumar passou a ser um comportamento reprovável. É como se a sociedade inteira se preocupasse com a saúde do indivíduo que fuma e de seus circunstantes.
Hipocrisia. Ninguém está preocupado com a saúde de ninguém e tampouco fiscaliza o cumprimento da lei neste tempo de egoísmo avassalador.
A lei só é boa quando pune o quintal dos outros.
Não sou fumante. Não me sinto confortável com chaminés fumegando ao meu lado. Mas isto não me habilita a excluir o direito de quem fuma. Tudo deve se circunscrever a alguns e razoáveis limites.
Como se vê, o chamado “politicamente correto” está interpretado ao avesso.
Fumar hoje chega a ser uma gafe. Deslize menor, isto não pode ser interpretado como comportamento reprovável, que não é.
Em certos casos, o ambiente se faz com a soma da educação que cada um carrega dentro de si, de modo que o bom senso é o melhor caminho para superar a arrogância.
O fumante deve saber onde é permitido fumar. Mas também deve saber que seu direito não pode ser invadido por qualquer um que se acha incomodado.
Não trafego na contramão das hipocrisias sociais.
Convivo com elas, estrategicamente, mas, no caminho, tento parar de vez em quando, para conversar com quem vem em sentido contrário.
Este diálogo tem sido difícil.
Quando não existia o “politicamente correto”, os boleros Angústia e Perfume de gardênia na voz do cantor cubano Bienvenido Granda eram perfeitamente compatíveis com noites boêmias e fumaça de cigarros.
Outros tempos, outros valores, outra quadra da sociedade.
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