A sinceridade do sósia

Meu primeiro emprego em São Paulo foi na Companhia Vidraria Santa Marina, em Mauá, incorporada pelo grupo francês Saint-Gobain em 1960.

Deixei o emprego que tinha na Prefeitura de Curaçá, na Bahia, e rumei para São Paulo à procura da realidade de meus sonhos. Ainda hoje procuro. A realidade vai por um caminho e os sonhos por outro.

Cheguei sem eira e nem beira, numa madrugada fria e de muita chuva e até me perdi antes de chegar ao destino, uma ladeira escorregadia, sem calçamento, em frente a um cemitério.

A efervescente região do ABC paulista dava emprego e abrigo aos nordestinos e não somente nordestinos.

Sou antecedente de Lula da Silva. Quando ele começou a fazer greve em São Bernardo do Campo eu já havia enfrentado, como estudante, a polícia política do governador paulista Paulo Egydio Martins (ARENA), nos tempos da ditadura.

Eu e alguns colegas almoçávamos no restaurante da empresa, mas sobrava tempo para descanso, antes de retornar ao trabalho.

Então, caminhávamos pela Avenida Barão de Mauá, centro da cidade, à toa, aguardando o apito do relógio da fábrica convocando para o turno seguinte.

Um colega me disse: tem um rapaz que trabalha ali no banco da Barão de Mauá que é a sua cara. Parecidíssimo com você. É sósia ou seu irmão gêmeo.

Irmão gêmeo não podia ser, disse-lhe. Não tenho irmão gêmeo e para ser sósia, um dos dois deve ser muito azarado.

Certeza eu tinha. Ele não havia nascido nos barrancos do Riacho da Várzea, nas caatingas baianas de Patamuté, como eu. Logo, só podia ser coincidência física mesmo.

Os colegas me levaram até lá. Entramos na agência bancária e nos postamos à frente da mesa de trabalho do dito cujo e formamos um círculo, jogando conversa fora.

De fato, o rapaz era a minha cara ou eu era a cara dele, não sei exatamente.

Começou certa aglomeração ao redor da mesa e uma diligente funcionária do banco foi até o rapaz e falou baixo ao seu ouvido, não sei o quê.

Ele me olhou um tanto assustado, apontou em minha direção e perguntou em voz alta:

– Eu sou feio assim?

Podia não ser, mas teve sorte de nascer parecido comigo.

Tenho saudade dos meus primeiros tropeços em São Paulo.

Hoje os tropeços são mais cruéis, outras vezes incompreensíveis, outras tantas desumanos.

araujo-costa@uol.com.br

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