O repórter chegou na hora marcada, como convém aos bons profissionais.
Queria amparar uma matéria sobre minha vida. Sem êxito.
Disse-lhe que minha vida não é lá grande coisa, mas uma luta pela sobrevivência, um confronto com os limites humanos do tempo, assim como “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway (1899-1961).
Acrescentei que alguns entendidos em vida alheia me chamam de saudosista e piegas e que me preocupo demais com coisas reles, desprezíveis, assuntos sem importância.
As coisas têm ou não importância a depender do ângulo de quem as vê. Eu dou importância às coisas, segundo minha visão do cotidiano e tenho errado pouco nesse particular.
Não é defeito ser assim, se é que sou assim. Por isto, quase sempre falo de amigos, de lugares, de lembranças, tais e tantas que um espaço de página não é suficiente. É minha característica de cronista, espectador do tempo, da vida e dos tropeços. Não faço mal a ninguém.
Toda cidade, seja metrópole ou do interior, tem o seu ponto de encontro. São famosos, em todas as cidades, os bares frequentados por artistas, jornalistas, políticos, intelectuais, escritores e gente que a fama não alcançou. Conheço alguns, vários.
Muitos se aconchegam nesses ambientes para lapidar seus vícios. Se “o vício é o estrume da virtude”, como dizia Machado de Assis, ele também, em certos casos, é bálsamo da boemia.
Chorrochó, minúscula cidade do sertão baiano, também tinha o seu mais famoso ponto de encontro: o Bar Potiguar. Central, arejado, convidativo, muito procurado.
Na segunda metade da década de 1960 lá despontou – e durou por muito tempo – uma espécie de sociedade irrequieta, formada de jovens, geralmente estudantes do então Colégio Normal São José, que fazia uma cidade alegre e hospitaleira.
Esses jovens, a maioria proveniente da zona rural, construíram, dentro de seus limites interioranos possíveis, um mundo entrelaçado de fantasia e realidade.
O Bar Potiguar, hoje desaparecido, era o ponto de encontro desses jovens, ávidos por atingir seus sonhos e propensos, todos eles, a trilharem o caminho do futuro em busca dos seus ideais.
A boemia se tornou uma sadia forma de agregação de amizades que perduraram.
Muitas dessas pessoas hoje são profissionais, preocupadas com tempo e objetivo, mas inarredavelmente ligadas àquele passado de ternura e convivência responsável.
Outros tantos já morreram ou estão aposentados do trabalho e das peripécias da vida.
Sobressaíam-se, naquele tempo, nesse ambiente de amizade e cordialidade, uns mais jovens, outros mais experientes, como assíduos frequentadores do Bar Potiguar: Juracy Santana, Antonio Euvaldo Pacheco de Menezes, Francisco Ribeiro da Silva, José Osório de Menezes, João Bosco de Menezes, Neusa Maria Rios Menezes, José Juvenal de Araújo, Antonio Wilson de Menezes, Geraldo José de Menezes, Maria Lenisse Oliveira Alves, Almira Marques Ribeiro, Eremita Marques Ribeiro, Antonia Marques Ribeiro, Marinalva Araujo, Raimunda Ribeiro Coelho, Ângela Maria da Silva, Carlos Bispo Damasceno, Fabrício Félix dos Santos, Ernani do Amaral Menezes, José Eudes de Menezes, José Claudionor Menezes, José Evaldo de Menezes, Francisco Afonso de Menezes, José Jazon de Menezes, Francisco Lamartine de Menezes, Antonio Cordeiro de Menezes, Antonio Geraldo Rodrigues de Menezes e tantos outros, alguns já falecidos.
A lista é extensa, mas limito-me a alguns nomes para evitar massacre maior da saudade. E havia, de quando em vez, a frequência dos mais velhos, que nos deixavam seguros e nos amparavam em nossas fragilidades de jovens inexperientes: Eloy Pacheco de Menezes, Horácio Pacheco de Menezes, o elegante José Calazans Bezerra (Josiel), Luiz Pacheco de Menezes, Walmir Prudente de Menezes, Francisco Arnóbio de Menezes, José Pires Filho, Joviniano Cordeiro de Menezes, et cetera e vai et cetera nisto.
Surgiam presenças fortuitas e rápidas, a exemplo de Dorotheu Pacheco de Menezes.
As professoras de destaque na época, que eram nossos exemplos de vida, também passavam por lá, esporadicamente: Maria Nicanor de Menezes Veras, Maria Ita de Menezes, Maria Rita da Luz Menezes, Maria Therezinha de Menezes, Wilma Abia de Carvalho Menezes, Maria Joselita de Menezes, Maria do Socorro Menezes Ribeiro, Maria Daparecida Mazarelo de Menezes, etc.
Virgílio Ribeiro de Andrade era dono do Potiguar e responsável por agregar todas essas pessoas. Ágil, atencioso, exemplo de anfitrião e de decência.
Qual a importância dessas lembranças? A resposta talvez esteja na certeza de que foram essas pessoas que sustentaram, naquele tempo, em Chorrochó, a melhor escola que se possa ter na vida: a amizade.
Depois de longa conversa, às vezes sem pé, outras vezes sem cabeça, o sol de primavera já alto, o repórter se despediu sem a matéria de minha vida.
Minha vida não é lá grande coisa.
araujo-costa@uol.com.br