Solidão do dia seguinte

O carteiro que serve minha rua, que é jovem, não viveu a época em que as pessoas mandavam cartões desejando votos de “feliz Natal e próspero Ano Novo” para parentes, amigos, conhecidos e sujeitos de suas relações, ainda que comerciais.

Não só o carteiro desconhece essa época, mas as gerações mais recentes, que vivem nessa confusão eletrônica e necessária a essa quadra do tempo.

Aliás, com os avanços tecnológicos, carteiros já se aproximam da extinção.

Os envelopes continham traços de sinos e adereços alusivos à ocasião e dizeres bonitos, floridos, admiráveis. As mensagens abarrotavam as agências e postos dos correios em finais de ano.

Ao receber as correspondências, perguntei ao diligente estafeta se havia cartões de Natal. Surpreso, diante da novidade, respondeu seco, quase assustado com a minha pergunta envelhescente:

– Acho que não.

Esse costume não existe mais. As comunicações online extinguiram essa forma tão eficiente de relacionamento: as felicitações pela passagem das festas de fim de ano.

Hoje quase ninguém mais manda cartões, chega a ser uma cafonice, um atestado de desinformação e até, em certos casos, um comportamento irrefletido diante de tanta parafernália eletrônica em tempo real.  

Interessante é que a mudança se deu mui rapidamente. Eu tinha o hábito de mandar cartões de Natal, até por educação e etiqueta. Vi-me ultrapassado de repente. Neste 2020 não mandei sequer um. Fui desencorajado pela onda de frieza que assola as metrópoles e para não correr o risco de ser chamado de jurássico.

A indiferença passou a ditar o comportamento, ainda mais neste tempo de pandemia cruel e de distanciamento físico e emocional.

A evolução da sociedade vai dizimando, em seu bojo, as formas simples de convivência, destruindo friamente os relacionamentos e corroendo os vínculos sociais que já eram escassos.

Estamos todos menos calorosos, desinteressados pelos outros, excessivamente críticos e egoístas, de sorte que muitas coisas perderam importância, embora muitos de nossos valores estejam ínsitos nas pequenas coisas.

Em breve os cartões de Natal serão lembranças e relíquias para colecionadores, assim como as cartas que não escrevemos mais e os recados verbais que não mais mandamos para amigos e familiares.

As cartas foram substituídas por mensagens eletrônicas frias, sucintas, às vezes automáticas, insignificantes diante da grandeza humana.

Vivemos à espera da solidão do dia seguinte.  

Desejo a todos próspero 2021 com muita saúde e compreensão.  

araujo-costa@uol.com.br                       i

Uma consideração sobre “Solidão do dia seguinte”

  1. Como sempre, mais um artigo bem escrito. Aplausos.
    E, desta vez, trazendo gotas orvalhadas de um coquetel composto por lembranças, saudades, ternuras e VALORES HUMANIZADORES QUE O TEMPO PRESENTE INSISTE EM DELETAR.
    AFETOS QUE FORAM REPRESENTADOS POR BEIJOS, ABRAÇOS E AFAGOS HOJE O SÃO POR SIMPLES E INTOCÁVEIS PISCADOS E TRAÇOS ELETRÔNICOS SEM SABOR TOM OU PERFUME.
    E O PIOR: TUDO ESTÁ A SE TRANSFORMAR EM ESPAÇO INDEFINÍVEL, INVISÍVEL E INTOCÁVEL..

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