Ângelo Coronel e as formigas gigantes do Congresso

“Estou perdendo algumas ilusões, talvez para adquirir outras” (Virgínia Woolf, escritora britânica, 1882-1941)

A diferença entre as formigas e nossos parlamentares é que as formigas trabalham.

Cada um de nossos 513 deputados federais custa-nos, por mês, a quantia aproximada de R$ 183 mil. Por ano essa quantia eleva-se para R$ 2,2 milhões.

A Câmara dos Deputados gasta, por ano, R$ 1,3 bilhão só para sustentar salários e penduricalhos dos parlamentares.

Incluem-se nessas benesses, salário de R$ 34 mil, verba de gabinete de R$ 112 mil, cota para o exercício da atividade parlamentar, varável por estado, de aproximados R$ 40 mil, auxílio moradia, ajuda de custo e por aí vai.

Os deputados ainda têm direito a diárias, quando em viagens nacional e internacional e ressarcimento por despesas médicas, além de contarem com o sofisticado departamento médico da Câmara.

Cada deputado tem direito a contratar 25 assessores com salários que podem chegar a R$ 16 mil.

Suas Excelências, que não são de ferro, ainda têm direito a uma robusta aposentadoria, que nós mortais nunca alcançamos, ressalvadas a proporcionalidade do tempo de mandato e a idade de 60 anos

É o preço da democracia. Ainda assim, o sistema democrático é o mais ideal.

O problema é que Suas Excelências não produzem ou produzem pouco. Tirante os poucos parlamentares que se destacam, a maioria situa-se no chamado baixo clero. Noutras palavras: são ilustres figuras decorativas que seguem os ditames dos líderes partidários e referendam decisões conchavadas pelos mais experientes.

O ínclito escritor e jornalista Raimundo Reis, baiano de Santo Antonio da Glória, contava que em sua estreia como deputado estadual na Assembleia Legislativa da Bahia fazia, com entusiasmo, fundamentado discurso na tribuna e lá, para as tantas, notou que ninguém prestava atenção.

Formou-se um burburinho no plenário, rodas de deputados discutindo entre eles, de sorte que todos viraram as costas para a tribuna e não deram a mínima atenção para o discurso do estreante orador.

Raimundo Reis abreviou o discurso e desceu da tribuna preocupado. Procurou saber o que estava acontecendo. Coisa grave, talvez. Um colega lhe disse:

– Hoje é dia de pagamento aos deputados e o tesoureiro veio trazer os contracheques.

Lição aprendida, Raimundo Reis dizia, com fina ironia: “No parlamento, o importante é o dinheiro e não o discurso”.

Em nossa Câmara dos Deputados o que se vê é um amontoado de formigas gigantes corroendo os cofres públicos. O mesmo acontece no Senado Federal.

Nesses últimos dias, por exemplo – e isto não é novidade – nossos digníssimos representantes estão debruçados no balcão, noite adentro, negociando com o governo federal a liberação de emendas e cargos, condição que eles exigem para votar a favor do candidato do Palácio do Planalto a presidente da Câmara dos Deputados. 

No Senado, o senador Ângelo Coronel (PSD-BA), recebeu R$ 40 milhões de verbas extras do Planalto para, na cabine indevassável de votação, não esquecer de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), candidato do Palácio do Planalto à presidência do Senado Federal. Sabe como é, não se deve confiar muito na memória.

Ângelo Coronel é o presidente da CPI das Fake News, criada para investigar supostos atos ilegais de bolsonaristas, inclusive do vereador carioca Carlos Bolsonaro, filho do presidente da República.

O senador Ângelo Coronel apressou-se em dizer que é independente e isto não influi em sua atuação na direção da CPI. Ah, bom!

Lídice da Mata (PSB-BA), relatora da mesma CPI, não acredita que a bufunfa recebida por Ângelo Coronel possa interferir no resultado da comissão instalada contra os bolsonaristas.

Solidária ao colega, Lídice jogou a culpa no governo: “Desse governo, pode-se esperar tudo”.

É verdade, desse governo pode-se esperar tudo. E dos senadores também.  

Isto nos faz perder algumas ilusões. De ver o Brasil melhor, por exemplo.

Mas viva a democracia!

araujo-costa@uol.com.br    

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