O flagrante perpétuo que o Supremo inventou

“O medo instaurou-se como poder no País” (jornalista e escritor Flávio Tavares, in Memória do Esquecimento)

Não é nenhuma novidade para os operadores do Direito e grande parte da sociedade que o Supremo Tribunal Federal se tem arvorado na condição de legislador e criado “leis” que não existiam no ordenamento jurídico nacional e passaram a fazer parte da bagunça de normas que o próprio Supremo instalou em nossa combalida República.

O Supremo Tribunal Federal fomenta a insegurança jurídica.

O exemplo mais solar é a prisão em segunda instância, que a Constituição da República veda inequivocamente e os ministros do STF autorizaram essa barbaridade, mas tiveram que recuar, depois do imbróglio que envolveu a prisão do ex-presidente Lula da Silva, de resto amigo pessoal de alguns dos ministros de nossa subida Corte.  

Ficaria feio não recuar. Ficaria feio deixar Lula preso ilegalmente e aqui não se discute o mérito da condenação do ex-presidente (se culpado ou inocente), mas a prisão indevida, que não podia prosperar, porquanto ainda com uma série de recursos interpostos pela defesa e pendentes de julgamento.

Ninguém será preso, enquanto não houver trânsito em julgado da sentença penal condenatória, diz a Constituição Federal.

Agora, outro problema criado pelo STF: a prisão dita em flagrante e por crime inafiançável do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ).

Primeiro é bom desanuviar as interpretações e as paixões políticas. O retro aludido deputado foi grosseiro, estapafúrdio e inconveniente. Feriu a honra de alguns ministros do STF e, por extensão, jogou no ralo o decoro parlamentar.

O deputado fluminense deve ser punido, se não com a cassação do mandato parlamentar, que não sabe exercer, ao menos com uma reprimenda judicial. É um destemperado incompatível relativamente ao Poder Legislativo.

O deputado vomitou palavras duras contra ministros da Suprema Corte. Aquilo não podia ser dito sequer contra o menor dos juízes. Sabemos que há juízes grandes e juízes pequenos, mas isto não nos autoriza a ofendê-los.

Todavia, o que se discute aqui é o corporativismo exacerbado que o Supremo Tribunal Federal deixou às claras.

Por unanimidade, que raramente existe em suas votações, os ministros referendaram a prisão do deputado decretada ilegalmente por Sua Excelência o ministro Alexandre de Moraes.

Tudo leva a crer que a unanimidade foi combinada. O ministro Alexandre de Moraes consultou primeiro os colegas sobre a decretação da prisão e, para inglês ver, submeteu a seguir o ato prisional ao plenário do Tribunal até por imposição regimental.

Tudo já estava acertado entre eles, tanto que os senhores ministros não fundamentaram seus votos, apenas concordaram com a prisão e disseram que depois juntariam seus votos ao processo, fato que não é incomum, desde que em situações normais .

Isto se deveu à pressa, ao atabalhoamento do momento, a ânsia dos ministros de mostrarem a decisão para a imprensa, imprensa de resto ávida por linchamento contra aliados do governo federal. Deu certo.

A prisão do deputado feriu frontalmente o artigo 53 da Constituição Federal. O deputado não podia ser preso em flagrante e, menos ainda, por crime inafiançável.

Não houve flagrante. Não houve crime inafiançável.

“Deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por qualquer de suas opiniões palavras e votos”. Ressalve-se que os excessos devem ser considerados e punidos na forma da lei.

O Supremo Tribunal Federal entendeu que tudo isto é verdade, está na Constituição, desde que palavras e opiniões ditas por deputados não sejam endereçadas aos membros do STF.  Em sendo, aí é outra coisa, muda de figura.

Elogio pode.

Entretanto, o absurdo maior na prisão do deputado foi o flagrante inventado pelo STF: o Tribunal entendeu que o vídeo do deputado estava nas redes sociais e isto caracteriza flagrante permanente.

O precedente é perigoso. Perigosíssimo.

Qualquer brasileiro que, por exemplo, há dez anos, tenha postado um vídeo ou um texto nas redes sociais considerado ofensivo a uma autoridade que se acha intocável, estará sujeito a ter sua prisão em flagrante e por crime inafiançável decretada por qualquer juiz de primeira instância, mesmo que dos rincões mais distantes.

Mais: Suas Excelências transformaram a liberdade de opinião em crime inafiançável.

Ou seja, os ministros do Supremo Tribunal Federal acabaram de inventar o flagrante perpétuo, permanente, inextinguível.

Há absurdo legal maior?

Noutras palavras: os ministros do STF rasgaram o artigo 53 da Constituição Federal, o Código Penal, o Código de Processo Penal e leis extravagantes correlatas.

O Supremo Tribunal Federal se acostumou a se imiscuir nos assuntos dos outros poderes da República (Legislativo e Executivo), de modo que a teoria da separação dos poderes idealizada pelo filósofo francês Montesquieu (1689-1755) e adotada em todo o mundo civilizado não existe para os atuais subidos ministros de nossa Suprema Corte.

O Supremo Tribunal Federal precisa entender que o poder de seus ministros não é absoluto.

Os ministros do STF precisam de freios, de humildade, de menos vaidade, menos arrogância e mais vigilância da sociedade.

araujo-costa@uol.com.br

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