O Supremo Tribunal Federal (STF), esse subterrâneo de vaidades, acaba de inventar mais uma instituição no sistema penitenciário brasileiro: a cadeia para os mortos.
O ministro Edson Fachin, o mesmo que estendeu tapete vermelho para os donos da JBS, anulou todas as condenações de Lula da Silva decretadas pela 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba, em razão de deslavada disputa contra o seu colega de tribunal Gilmar Mendes.
Até aí, nenhuma novidade. É sabida a animosidade que existe entre alguns ministros do STF que lá estão brincando de fazer Justiça – o que eles menos fazem – e vivem se engalfinhando.
Entretanto, neste caso de Lula da Silva, parece razoável entender que a decisão do ministro Edson Fachin é técnica e processualmente bem amparada, embora tardia e inexplicável.
É sobejamente conhecido, que desde 2016, os advogados de Lula da Silva arguiram a incompetência do então juiz Sérgio Moro para processar e julgar o ex-presidente. Sem êxito.
Insistentes recursos se sucederam e a Justiça negou ou não apreciou todos os pleitos dos advogados.
Qualquer primeiranista de Direito sabe que a competência daquele juiz de Curitiba para processar e julgar tais processos aflorava-se gritantemente desconforme a lei processual penal.
Mas os magistrados entendiam de forma diversa e não explicavam o porquê, exatamente em razão de não haver explicação jurídica sustentável.
Quem tem o poder tem tudo. O poder da caneta é assustador. E mais assustador, quando na mão de juízes arrogantes, vaidosos e que se acham intocáveis e inatingíveis.
Em sede de Habeas Corpus impetrado pela defesa de Lula da Silva, em trâmite na 2ª Turma do STF, que se compõe de cinco ministros, em que figura como presidente daquela turma o ministro Gilmar Mendes, a defesa insiste na suspeição do arremedo de juiz Sérgio Moro.
Sérgio Moro, além de vaidoso e ingênuo, pensa que entende de Direito e há quem acredite.
Aprendiz de estrategista, Sérgio Moro nada sabe de estratégia. Aprendiz de político, nada entende de meandros da política, quer partidária, quer como ciência.
Os livros de História vão dizer que Sérgio Moro foi muita coisa, menos Juiz de Direito na acepção correta da palavra.
Gilmar Mendes sinalizou que colocaria em julgamento o Habeas Corpus impetrado pelos advogados de Lula da Silva, com grande chance de o ex-juiz Sérgio Moro ser declarado suspeito relativamente às ações que julgou, envolvendo a Petrobras.
O veredicto desse julgamento ainda desconhecemos. Está pendente, o processo suspenso.
Resultado da suspeição, se confirmada: todos os processos julgados pelo ingênuo Sérgio Moro relativamente a eventuais vínculos dos acusados com a Petrobras serão declarados nulos, com resultados impensáveis, por enquanto.
Todos os condenados – mais de cem, salvo melhor juízo – entrariam com recursos para anular suas condenações.
Se têm direito, devem exercê-lo em sua plenitude. Assim dizem a democracia e o estado de direito dela decorrente.
Aí é que entra a vaidade de Edson Fachin contra Gilmar Mendes. Fachin se antecipou e decretou a nulidade de todas as condenações de Lula da Silva para, segundo parece, tentar salvar as demais e muitas operações da Lava Jato, muitas delas viciadas pela atuação arrogante e atabalhoada de seus procuradores e do então juiz Sérgio Moro.
Petista declarado e admirador de Lula da Silva, não é demais lembrar o veemente discurso que Edson Fachin fez na campanha eleitoral do Partido dos Trabalhadores (PT) em favor Dilma Rousseff. Está gravado, registrado, inegável.
Deu certo. Dona Dilma o indicou ministro do Supremo Tribunal Federal.
O ministro Edson Fachin ainda não explicou, nem conseguirá explicar decentemente, porque tomou essa estapafúrdia decisão e porque, sendo relator da Lava Jato, não decidiu antes sobre esse fato tão juridicamente relevante.
Por que só agora?
A pergunta mais necessária é esta: por que ele, na condição de relator dos processos da Lava Jato no STF não fez isto antes, conforme exaustivamente requerido pelos advogados do ex-presidente Lula da Silva?
Consequência lógica e natural da decisão do ministro Fachin, se o plenário do STF não a derrubar: as ações contra Lula da Silva voltarão à estaca zero. Começará tudo de novo, como se nada houvera: depoimentos, oitiva de testemunhas, colhimento de provas, perícias, análises de documentos, oferecimento de denúncia, et cetera.
Pelo andar da carruagem da Justiça, da primeira à última instância e tendo em vista o direito de defesa previsto na Constituição da República, considerados os recursos previstos na lei processual penal, quando a decisão final sair, Lula da Silva e outros condenados que eventualmente forem beneficiados pela decisão do vaidoso ministro Edson Fachin já serão falecidos, ou estarão por volta de cem anos, porque esse trâmite, no mínimo, durará anos, quiçá décadas.
No caminho vão-se operando as prescrições.
Lula da Silva e todos os envolvidos nesses processos da 13ª Vara Federal Criminal de Curitiba têm renomados advogados, porque dispõem de grande lastro financeiro, mesmo que adquirido ilicitamente, mas isto não vem ao caso.
Antes que mal me interpretem, desejo vida longa para Lula da Silva – é até divertido ouvir suas lorotas – e para todos os condenados pela Lava Jato que estão nesse imbróglio.
Mas quando essas condenações saírem – se saírem – as penas não poderão mais ser aplicadas por absoluta ineficácia.
O Supremo Tribunal Federal acabou de criar a cadeia para os mortos.
Post scriptum:
“Além das sentenças que somavam 29 anos de prisão em regime fechado, nos casos do tríplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, Lula também foi condenado a pagar multas que chegam a R$ 1,78 milhão. Com a decisão de Fachin, as multas também foram anuladas” (O Antagonista/Crusoé).
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