Ideais invertidos: o presidente Bolsonaro e a crise militar.

Manhã tensa de 12 de outubro de 1977.

O general Ernesto Geisel, penúltimo presidente da safra de 1964, convocou ao Palácio do Planalto o seu ministro do Exército, Sylvio Frota, general da linha dura, que vinha conspirando nos quartéis para derrubar o presidente.  

Sentado à cabeceira da mesa de despacho no Palácio do Planalto, às 8:30h, Geisel começou o ríspido diálogo:

– Eu estou incompatibilizado com você; solicite demissão.

– Não vejo razão para demitir-me, porque não me julgo incompatibilizado com o cargo, disse o general Frota.

– Mas o cargo é meu, ponderou Geisel.

– Cabe ao senhor demitir-me. Não pedi para ocupar o cargo.  

– É o que farei.

Ao despedir-se, cioso da autoridade presidencial, Geisel deu as últimas instruções ao ainda ministro Frota:

– Mantenha a unidade do Exército.

Às 16h, Geisel empossava o comandante do III Exército, general Fernando Bethlem, como ministro do Exército, em substituição a Sylvio Frota. De imediato, sem delongas, estrategicamente, para evitar reações do ministro demitido e seus apoiadores.

A crise acabou aí, por duas razões principais: Geisel tinha caráter e pulso firmes e era muito respeitado dentro das Forças Armadas e no ambiente militar como um todo. Não admitia que a autoridade presidencial fosse arranhada.

Em 1977, havia uma conspiração do ministro do Exército para derrubar o presidente da República, que foi prontamente debelada pelo presidente.

Geisel sinalizava com a abertura política “lenta, gradual e segura”, o que significava afrouxamento das regras do regime militar e a consequente devolução dos direitos e garantias individuais e constitucionais à sociedade, barbaramente suprimidos pela ditadura.

A linha dura do Exército, à frente Sylvio Frota, não aceitava o retorno ao regime democrático supresso em 1964 e queria a continuidade da ditadura e seus consectários, tal como vinha ocorrendo.  

Naquela quadra do tempo, parte do Exército comungava das mesmas ideias de Sylvio Frota, mas isto não era suficiente para que se operasse um golpe gerado nas entranhas do próprio governo.

Em 2021, dá-se exatamente o contrário: o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, que compõem as Forças Armadas, agasalhadas sob o manto do Ministério da Defesa, estão coesas, unidas, professando os mesmos ideais, quais sejam, o exercício da função constitucional e o necessário e quanto possível distanciamento político dos quartéis em assuntos de governo.

O presidente Bolsonaro, ao contrário de Geisel, em 1977, ostenta ideais invertidos. Pensa em endurecer o governo, mas não conta com o apoio das Forças Armadas. O contexto é outro, outra é a sociedade, outros são os quartéis.

Insatisfeito, principalmente com a posição do comandante do Exército, Bolsonaro demitiu o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva. Não houve justificativas plausíveis para tanto. O ministro foi chamado ao Palácio do Planalto e surpreendido com a demissão.

Em consequência do gesto que beirou à infantilidade, o presidente Bolsonaro foi abalroado com o pedido de demissão simultâneo dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Criou uma crise desnecessária nos quartéis.

Noutras palavras, os comandantes militares colocaram os cargos à disposição, em solidariedade ao chefe e ministro da Defesa demitido. Esse fato seria normal, se normais fossem as circunstâncias que levaram à demissão do general Fernando Azevedo e Silva.

Bolsonaro vinha sinalizando seu descontentamento com o comandante do Exército e esperava providência do ministro da Defesa, que nunca veio. E não veio porque não havia razões para vir.

Então, o presidente da República optou pela demissão do ministro da Defesa. Convenhamos, um erro estratégico ou, no mínimo, de cálculo político divorciado de sabedoria governamental.

Na contramão do mundo, o presidente Bolsonaro parece entender que os regimes autoritários são ideais.

Como se vê, os ideais do presidente Bolsonaro estão invertidos no que tange ao pensamento das Forças Armadas.

Em tempo:

31.03.1964 – 31.03.2021: 57 anos do movimento que implantou a ditadura militar no Brasil.

Estranha coincidência com essa crise militar que o presidente Bolsonaro criou envolvendo as Forças Armadas.

araujo-costa@uol.com.br  

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