A esquina do tempo e outras esquinas

“Quando o mundo fecha uma porta, Deus abre uma janela. Quando o mundo fecha as portas e as janelas, Deus derruba as paredes” (Lídia Vasconcelos).

Em meio às madrugadas perdidas – Foram tantas! São tantas! – tenho refletido sobre a fragilidade a que chegamos até esta quadra de nossa sociedade cruel, difícil e indiferente.

Espaçam-se as certezas entre as amizades que tivemos ao longo do tempo e as que ficaram ou o que resta delas.

Amizades também fracassam. Isto é o que atestam o burburinho e o fervor da juventude e a frieza cruel do amadurecimento.

Ficaram as boas amizades, que perduram, se ainda não se foram em direção à finitude da vida.

Ouvi muitas vezes reflexões parecidas sobre portas e janelas fechadas, repetidas por um amigo, em meio às incertezas de nossa mocidade.

Em Chorrochó, o amigo Antonio Euvaldo Pacheco de Menezes (Totó, para os amigos e Corró, para o irmão Ernani do Amaral Menezes), que não está mais por aqui, deixou-me algumas reflexões.

Foi-se antes do combinado, como se diz no interior de São Paulo, mas as frases que ele tanto dizia e repetia sobre o andar da vida continuam cutucando a saudade e dilacerando meus momentos, quando me recolho à solidão.

Nunca esqueci essas reflexões nos momentos de tropeços, que foram muitos, são muitos, continuam sendo muitos.

Lembro alguns amigos. Muitos deles conhecidos nas esquinas da vida e no ziguezaguear do tempo.

Todos nós temos uma esquina em nossa vida. Se não é esta, mais próxima, será aqueloutra, mais distante e nem por isto menos importante.

Eu tive muitas e ainda as tenho. Em Patamuté, ao lado da casa de José Henrique de Souza, que também abrigava o Cartório do Registro Civil e não mais existe; em Chorrochó, a do desaparecido Bar Potiguar; em Curaçá, a do Teatro Raul Coelho; em Salvador, Rua Chile e Praça Castro Alves; em Petrolina, Rua Maurício Vanderley; em Juazeiro, Rua Coronel João Evangelista; em Santo André, Rua Brás Cubas; em Mauá, Rua D. José Gaspar; em São Bernardo do Campo, a esquina da Alameda D. Thereza Cristina, em frente ao meu antigo escritório.

Nas esquinas encontramos os amigos – ou aqueles que se dizem ser – colocamos a conversa em dia, sabemos da vida dos outros e, lá também, sabem da nossa. Espairecemos a sisudez da vida e construímos, às vezes, parte de nosso estado de espírito cultural.

Esquinas deveriam ser patrimônio cultural.

Esquinas costumam ser pontos para jogar conversa fora. Nelas se juntam jornalistas, escritores, políticos, estudantes, boêmios, curiosos, desocupados em geral e outros circunstantes.    

Há notícias boas e más nas esquinas. Foi numa esquina que, décadas atrás, abri o jornal e vi meu nome na lista de aprovados no vestibular da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Hoje isto não tem nenhuma importância, parece pouco, uma coisa vulgar, até visto como narcisismo, mas naquele tempo eu havia me mudado do interior do Nordeste para uma metrópole desconhecida, muito pobre e carregando sonhos, muitos sonhos. Não mudei muito. Continuo pobre e sonhador.

Havia estudado em escola pública do meu sertão da Bahia e, passando a viver em São Paulo, era o coroamento de uma trajetória humilde e difícil. Uma trajetória que começou na Fazenda Bom Jardim com a primeira professora Graziela Ferreira da Silva, depois na Escola Estadual de Patamuté (saudade da dileta professora Beatriz Gonçalves dos Reis Gomes), passou pelo então Colégio Normal São José, de Chorrochó e, mais tarde, pelo Colégio Municipal Professor Ivo Braga, de minha querida e distante Curaçá.

Também foi numa esquina, no interior de São Paulo, que um telefonema me alcançou e recebi a notícia da morte de minha mãe, momento muito difícil e dilacerante, talvez a primeira vez que me senti fragilizado ao extremo. Um desespero inominável e inexplicável.

O tempo também constrói suas esquinas. São as esquinas da reflexão e da sabedoria, para entendermos as quedas do caminho, os tropeços, o misturar da poeira, o esvoaçar das cinzas.

Surge da queda a grandeza para enfrentarmos as adversidades e há também a esquina para mostrar o horizonte e divisar as luzes da alvorada.

As esquinas da vida também se prestam para muitas outras coisas, inclusive para servir de assunto para uma crônica de saudade e entender que as amizades também fracassam ou desaparecem.

 araujo-costa@uol.com.br

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