Não se faz política com fome

No auge de minha vida acadêmica, hoje decadente – a velhice é sempre decadente – ouvi a seguinte frase de Alaôr Caffé Alves, professor de Filosofia do Direito e ícone da esquerda intelectual paulista: “Ninguém faz política com o estômago vazio”.

Essa frase me cutuca até hoje. Até então eu pensava que a fome impulsionava nossas ações políticas para eliminá-la.

Contextualizando, significa dizer: primeiro a população precisa ter o que comer e poder comer, para adquirir forças e cuidar do debate político-ideológico.

A capacidade de raciocínio sucumbe à fragilidade do corpo dilacerado pela fome.

Isso dito, explico a citação de décadas, que se afigura permanente, atualíssima.

Em conversa casual e despretensiosa, um amigo perguntou por que o povo não vai às ruas protestar contra o atual estado de coisas por que passa o Brasil e exigir que se coloquem os princípios democráticos acima da arrogância de nossos governantes, membros do Judiciário e do Legislativo.

O Poder Judiciário invadiu as esferas dos outros poderes da República, sem freios, sem limites, acintosamente e ilegalmente, embora esteja infestado, em todos os níveis, de juízes corruptos e portadores de “rabos de palha”.

O Poder Legislativo oscila entre a demagogia e o dever de legislar.

O Poder Executivo, sempre apático, claudica por todos os lados.

Há no Brasil, pelo menos 70 milhões de pessoas passando fome, entre desempregados, subempregados, subaposentados, miseráveis e famintos de toda ordem. É um terço da população, número assustador.

São órfãos de governos demagogos e massacrantes em os todos os tempos, quer de direita ou de esquerda. Quando o governo é ruim, pouco ou nada importa o viés ideológico.

Esses famintos fazem parte daqueles milhões que o PT e Lula da Silva alardeavam que excluíram da extrema pobreza.

Há quem acredite. Há quem acreditou. Há quem continua acreditando.

Famílias, por aí, recebem R$ 89,00 de Bolsa-Família, única renda e meio de vida para sobreviverem durante todo um mês. É possível viver assim? É possível comer? È possível alimentar os filhos?

São esses miseráveis, sem voz e sem amparo, que sustentam o discurso de políticos embusteiros e demagogos que abarrotam seus bolsos à custa da miséria alheia.

Nos rincões do Brasil e nas periferias das grandes cidades, os pobres se encolhem de fome, estômagos vazios, lágrimas se equilibrando diante da desesperança.

Faltam-lhes comida e esperança. Sobram-lhes desespero e angustia.

Outros, que ainda comem, entregam-se à imbecilidade e invadem as redes sociais defendendo políticos, muitos até sem argumentos plausíveis, mas embalados pelas paixões políticas.

São legiões vazias e polarizadas de lulopetistas e bolsonaristas que se agridem estupidamente em defesa de políticos que não têm quaisquer compromissos com a população. Mas esses seguidores acreditam que têm ou fingem acreditar.

Em resumo: o povo não sai às ruas para exigir seus direitos porque está com fome e espremido pelas restrições cruéis, ainda que necessárias, emanadas de prefeitos e governadores, nesse tempo de pandemia.

Há ausência de sustança material e política.

araujo-costa@uol.com.br

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