A direita caricata e a CPI dos imorais

É forçoso reconhecer que nosso presidente da República abriga-se no covil da direita caricata e não tem filtro de consciência quando quer dizer o que pensa, de modo que não se sabe exatamente o que pensa ou se pensa.

Também é inevitável reconhecer que senadores que beiram à delinquência criaram a CPI da Covid-19, com o intuito escancarado de se servirem dela como palanque eleitoral antecipado com vistas às eleições de 2022.

Há pesquisa realizada pela imprensa atestando que quase todos os integrantes da CPI pretendem se candidatar a governador em seus estados. Alguns já estão rompidos com os atuais governadores ou são seus adversários.

Óbvio ululante que não é necessária uma CPI composta de hipócritas para apurar a incompetência do governo federal, com vistas ao combate à pandemia do coronavírus.

Os exemplos de descaso estão aí, claros, indubitáveis, estapafúrdios.

O presidente da República pouco ou nada fez para evitar o alastramento da doença, seu ministério da Saúde quedou-se de forma vergonhosa no que tange à viabilidade da vacina para imunizar a população e, mais, do que isto, o chefe do governo nunca omitiu sua opinião de desdém em relação à pandemia, ressalvada a liberação de recursos aos estados e municípios, que nunca dificultou, para enfrentarem a pandemia.

Em quadro assim, pra que CPI? Para apurar o óbvio?

Não pode ser séria, em nenhum aspecto, uma CPI que tem como membros os seguintes senadores, para citar apenas alguns. Os suplentes também navegam no mesmo barco da hipocrisia.

Renan Calheiros (MDB-AL): carrega nas costas nove inquéritos no Supremo Tribunal Federal, alguns deles versando sobre corrupção e lavagem de dinheiro.

Este mesmo Renan Calheiros – que hoje ameaça prender depoentes na CPI – é o mesmo honestíssimo senador que foi acusado de receber dinheiro de um lobista da empreiteira Mendes Júnior, para sustentar uma jornalista de Brasília, sua amante.

“Em troca, o senador apresentava emendas que beneficiaram a construtora”, segundo fartamente noticiado na época pela conhecida grande imprensa, a mesma grande imprensa que hoje o afaga e lhe faz cafuné.

Dentre outras acusações espelhadas em investigações em andamento, pesa sobre os ombros de Renan Calheiros, a acusação de que ele recebeu R$ 1,3 milhão da Odebrecht, a título de propina, em troca de benefícios relacionados às obras de construção do Canal do Sertão, em Alagoas.

Humberto Costa (PT-PE): responde a um escabroso inquérito no Supremo Tribunal Federal, mas a bem da verdade, tem sido até comedido e educado em sua atuação na CPI, talvez porque já foi saco de pancada no governo petista. Suspeito de receber R$ 1 milhão da Odebrecht, parece ter se livrado recentemente da acusação por decisão do próprio STF.

Omar Aziz (PSD-AM): o presidente da CPI está às voltas com uma investigação e, por conta dela, chegaram a ser presos três irmãos e sua esposa, todos acusados de desvio de recursos destinados à saúde do Amazonas, quando o senador era governador daquele estado.

Hoje o senador Omar Aziz se vê moralmente habilitado para ser presidente de uma CPI que, inclusive, apura desvio de recursos públicos da saúde. Dá para acreditar?

Eduardo Braga (MDB-AM): responde a um inquérito e a uma ação cautelar no Supremo Tribunal Federal. Muito deselegante com os depoentes que comparecem à CPI, tenta demonstrar ser impoluto e de boa reputação, o que não parece ser o seu caso;

Ciro Nogueira (PP-PI): responde a cinco inquéritos no Supremo Tribunal Federal. É investigado por suspeita de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha;

Os demais integrantes da CPI, Eduardo Girão (Podemos-CE), Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO), Otto Alencar (PSD-BA), Randolfe Rodrigues (REDE-AP) e Tasso Gereissatti (PSDB-CE) não respondem a inquéritos no Supremo Tribunal Federal, por enquanto.

Entretanto, contra o espevitado Randolfe Rodrigues, que se acha o suprassumo da honestidade, há um passado nebuloso.

Quando era do Partido dos Trabalhadores (PT) e deputado estadual no Amapá (1999-2002) foi acusado de receber “mensalinho” de R$ 20 mil, do então governador João Capibaribe, para votar a favor do governo estadual. Total da bufunfa: R$ 156 mil.

À época circularam até recibos supostamente assinados pelo próprio Randolfe, que provariam o recebimento da propina.

Roberto Gurgel, procurador-geral da República na ocasião, que não conhecia o PT, achou tão estranho e inocente um parlamentar passar recibo de propina, que arquivou o inquérito. Elevou Randolfe ao céu dos honestos.

No folclore do propinoduto nacional, só há dois casos conhecidos e hilários de supostos corruptos que assinaram recibos de propina: Lula da Silva (caso Odebrecht/Instituto Lula) e Randolfe Rodrigues (caso mensalinho do Amapá).  

São esses “puríssimos, sérios e honestos” senadores, acima de quaisquer suspeitas que, arrogantes e do alto de suas hipocrisias, constrangem e ameaçam de prisão depoentes que prestam esclarecimentos à CPI da Covid-19 e se acham aptos para investigarem eventuais transgressores da lei.

Transgressores investigando transgressores.

O plantio de peroba deve aumentar muito.

Esses indecentes e imorais vão precisar de muito óleo.

araujo-costa@uol.com.br

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