“Ser boêmio é o mais lúcido ato de protesto de um homem” (Jehová de Carvalho, jornalista e advogado baiano, 1930-2004)
Nascido em Santa Maria da Vitória, Jehová de Carvalho foi um dos mais famosos jornalistas e boêmios da Bahia.
Jehová de Carvalho assinou, durante anos, na condição de cronista, a seção A cidade que não dorme, no jornal A Tarde, de Salvador.
A frase que encima esta crônica foi dita ao também jornalista Guido Guerra, baiano de Santaluz, o “papagaio devasso”. Assim o chamava o escritor e amigo Jorge Amado.
Mas a boemia é somente um quê para o assunto desta crônica.
Ao romper da madrugada, alvorada à vista, ilustres companheiros de insônia despontam em meu quintal à espera da primeira refeição: são bem-te-vis, sabiás, periquitos e outras tantas espécies que se acostumaram há anos com a minha companhia ou com a minha generosidade. Ou com ambas.
Alguns já os conheço de longa data, outros desapareceram, muitos mais vão surgindo de repente e me fazem companhia. São tantos!
Costumo dizer que os melhores amigos são os bichos, cachorros inclusive. Eles não me aporrinham, não têm maldade, não me repreendem.
Não se servem de meu ombro como escada para angariar poder, dinheiro, fama. Tampouco me traem, nem agem com falsidade. São puros, admiravelmente puros. Essencialmente puros.
Os animais são, de fato, amigos de verdade. E não têm interesse em saber a que classe social pertenço, se rico, se pobre, se miserável ou sei lá o que mais dizem sociólogos, antropólogos e críticos de qualquer governo.
Se, eventualmente, não tenho comida para lhes dá, voltam depois, humildemente alegres e não perguntam porquê, nada querem saber.
Imagino como seria minha vida sem esses amigos diários, meigos, alegres, importantes. Nunca os vi tristes. Sempre alegres, cantando, fazendo algazarra.
Alguns chegam gritando, como se anunciando: cheguei, bom dia, quero comer.
Nós humanos, intercalamos momentos de tristeza, alegria, indiferença, idiotices. Os animais, nunca.
Passarinhos e cachorros são melhores, infinitamente melhores que pessoas.
Gosto de meus amigos boêmios. Sempre gostei da boemia alegre, sem hora de acabar, sem maldade, assim como a boemia dos passarinhos.
Na noite ou na madrugada também é tempo de protestar. É no silêncio que adquirimos forças para a continuidade da luta, seja política, seja profissional, seja para discordar, simplesmente.
Para não esquecer, lembro: é tempo de protestar, principalmente contra a indiferença.
Milhões de brasileiros estão passando fome.
araujo-costa@uol.com.br