O ministro e o padre

Em recente artigo na Folha de S.Paulo, o ministro Ricardo Lewandowiski, do Supremo Tribunal Federal, ao discorrer sobre a crise política e as iminentes manifestações previstas para 7 de setembro vindouro,  acaba alertando sobre a inconveniência da impunidade quanto a eventuais transgressores da ordem constitucional.

Titulo do contundente artigo do supremo ministro: Intervenção armada: crime inafiançável e imprescritível.

Admiro muito o ministro Ricardo Lewandowiski. Foi meu professor na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, quando seus cabelos ainda não tinham sido tingidos pelo tempo e numa época em que o Brasil tinha juízo.

Mestre preocupado com o andar da sociedade e com aquilo que o Direito podia fazer por ela, Lewandowiski brilhava na cátedra e entusiasmava todos nós, seus discípulos. Seus cabelos esvoaçavam à semelhança do poeta baiano Castro Alves.

Qualquer aula de Lewandowiski era memorável, inesquecível, enriquecedora.

Contudo, hoje o ministro Lewandowiski me faz lembrar a história do padre bonito.

Mulheres iam à missa com o intuito de purgar seus pecados, mas quando se deparavam com o padre, diziam que era impossível não continuar pecando, ainda que por pensamento, tamanha a beleza do sacerdote celebrante, já que por palavras e obras não podiam pecar.

O ministro Lewandowiski abomina a impunidade como todos nós, mas  peca, neste particular, pelo apego à teoria e ao excesso de formalismo doutrinário.

Vejamos.

Reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal ou reflexos delas, muitas com o voto de Lewandowiski, mandaram para a rua mais de uma centena de ricos, magnatas e famosos delinquentes que a Lava Jato mandou para os presídios por corrupção, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e outros delitos mais, todos adstritos à dilapidação dos cofres públicos.  

Recente notícia veiculada na imprensa diz que, dos sentenciados pela Lava Lato – cerca de 140 ou perto disto – mesmo considerando os exageros da operação, somente está preso Sérgio Cabral, ex-governador do Rio de Janeiro.   

Pergunta-se:

Todos os demais são inocentes ou foram alcançados pela impunidade?

É justa a justiça tardia, quando os crimes já prescreveram?

Deixá-los soltos não é impunidade?

É elementar e óbvio que todos os brasileiros devem respeitar nossas instituições.

Devemos respeito ao Poder Judiciário como um todo e, por extensão, ao Supremo Tribunal Federal e aos seus supremos ministros.

Mas é preciso ponderar, sem excluir a obediência às normas legais e às instituições nacionais que o Brasil construiu.

Em respeito ao Direito e à democracia, não podemos admitir que a impunidade preocupe o insigne magistrado Lewandowiski somente em relação a eventuais manifestantes discordantes nas ruas e, ao contrário, se transforme num manto aconchegante e protetor para amparar ladrões do dinheiro público.

Pecar em razão da beleza do padre, como as beatas, é admissível. Mas pecar por conivência com o mal feito é, no mínimo, trair o Brasil, independentemente das leis.

A moral fala mais alto, não é, ilustre professor Lewandowiski?

araujo-costa@uol.com.br

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