Borboleteava entre bares, desde o cair da noite, até o amanhecer do dia seguinte.
Boêmio, simpático, espirituoso, culto, inteligente. Boa pinta, extrovertido, respeitador.
Quando cumprimentava uma mulher, nova ou adiantada em anos, fazia um salamaleque qualquer e, por fim, beijava-lhe a mão, cerimoniosamente.
Tinha um estranho hábito: telefonar para a casa dos amigos, madrugada afora, etilicamente calibrado, dando sustos desesperadores. Naquele tempo não existia telefone celular.
Acreditem os jovens leitores. Sou do tempo em que não existia telefone celular.
Convenhamos, não fica bem telefonar para a casa dos outros na madrugada, exceto para tratar de assuntos urgentes e inadiáveis, como, por exemplo, noticiar a inesperada visita da morte a algum amigo ou conhecido.
Mas ele telefonava, sem constrangimento. Alongava-se em bate-papo e misturava alhos com bugalhos à vontade como se fosse a coisa mais normal do mundo ou uma conversa ao claro do dia.
Advogado de sucesso, não precisava ganhar o pão com o exercício da profissão porque, segundo ele, o “pai deixou alguns réis” que davam para comprar um destilador de uísque para abastecer-lhe até o fim da vida. E “morrer bêbado”, acrescentava com alegre desenvoltura.
Feriado prolongado, telefonou agitado, coisa que só amigo faz, só amigo tem a liberdade de fazer:
– Preciso de uma garrafa de uísque, urgente. Os bares estão fechados e não vou ficar sem beber.
– E eu com isso? Procure nos supermercados, disse-lhe.
– Eu não quero uísque de supermercado, quero de sua casa, para me ajudar a beber.
Logo entendi. Queria a companhia, como sempre. O uísque era desculpa.
Era assim, meu amigo. Bom amigo, grande amigo, difícil nos dias de hoje. Seguiu o caminho para a distância, obedeceu à morte. Deixou as marcas da saudade.
Eu costumava recitar pra ele o verso de José Amâncio Filho, “Meu Mano do Abaré”, ícone das serestas baianas de Curaçá das primeiras décadas do século XX.
“Vivo hoje satisfeito
Gordo, sadio e forte
De nada tenho receio
Não temo nem mesmo a morte
E ainda tem gente que diz
Que cachorro não tem sorte”.
Mas o que ele gostava mesmo era dessa tirada de “Meu Mano”:
“Bebe hoje todo mundo
Branco, preto, pobre e rico
Isto vem de longa data
E eu sem beber não fico”
Dava gostosas gargalhadas.
Deixemos que o inverno se vá. Esperemos a primavera, que se aproxima. Ainda há flores, sempre haverá flores.
Ainda há sorrisos, sempre haverá sorrisos.
Sempre haverá lembrança dos amigos.
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