Não é nenhuma novidade que alguns juízes – muitos, infelizmente – vivem no mundo da lua, embevecidos no luxo e em suas mordomias, de resto sustentadas em vencimentos que beiram as nuvens.
Esses juízes desconhecem a realidade do Brasil, não sabem o que é estômago vazio, desconhecem a desesperança e, por óbvio, não passam fome, nem seus parentes passam fome e nem seus aderentes passam fome.
Esses juízes não sabem que a fome tem cara de herege. Desconhecem o ruído da fome.
Enquanto isso, milhões de miseráveis vivem ou tentam viver com fome e, como se diz, abaixo da linha da pobreza. São aqueles milhões de brasileiros “invisíveis” que Lula da Silva e o PT dizem que tiraram da pobreza extrema e eles continuam pobres, desgraçadamente pobres.
Entretanto, nem tudo está perdido.
Em 13/10/2021, um preclaro ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mandou soltar a mulher, mãe de cinco filhos, moradora de rua e desempregada, que furtou de um mercado na Vila Mariana, capital de São Paulo, dois pacotes de macarrão instantâneo, dois refrigerantes e um refresco em pó.
Abordada ainda dentro do mercado, ela devolveu um leite condensado e disse que precisava levar as demais coisas porque estava com fome.
Total das mercadorias furtadas: R$ 21,69. Alegou que, sendo moradora de rua há mais de dez anos e desempregada, ela e seus cinco filhos estavam com fome.
Foi presa. Pior: a douta e insigne juíza que apreciou o caso decretou cruelmente a prisão preventiva da faminta e “perigosa assaltante”. A juíza enveredou pelo sempre perigoso formalismo processual.
A diligente Defensoria Pública de São Paulo pediu o relaxamento da prisão em primeira instância, que foi negada imediatamente.
A Defensoria recorreu ao Tribunal de Justiça de São Paulo e pediu a transformação da preventiva em prisão domiciliar, mas os senhores subidos e preclaríssimos desembargadores paulistas também negaram.
Será que eles leram o processo? A realidade cruel do processo?
Ou fizeram como o então ministro Marco Aurélio Mello, do STF, que mandou soltar um perigosíssimo e rico traficante de cocaína sob o argumento de que não se atenta ao nome do preso, mas às circunstâncias da prisão?
Diante da visível injustiça, a imprensa fez um bom e louvável papel e publicou o caso da mulher faminta à exaustão e até o comparou com o caso do ex-deputado baiano Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Lula da Silva e ex-vice-presidente da Caixa Econômica Federal no governo de Dilma Rousseff, que esteve em prisão domiciliar, ou seja, em casa, depois de ter sido flagrado com R$ 51 milhões em dinheiro vivo e ilícito, num apartamento de Salvador.
Mais: em setembro, o ministro Edson Fachin, do STF, autorizou o regime semiaberto para Geddel. Salvo engano, ele foi autorizado a passar o dia em atividades fora da prisão e voltar à noite (TV Globo, Brasília, 10/09/2021).
Quanto ao caso da mulher, a Defensoria Pública recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o ministro Joel Paciornik mandou soltá-la e fundamentou, corretamente: “Cuida-se de furto simples de dois refrigerantes, um refresco em pó e dois pacotes de macarrão instantâneo, bens avaliados em R$ 21,69, menos de 2% do salário mínimo, subtraídos, para saciar a fome por estar desempregada e morando nas ruas há mais de dez anos”.
Não vou aqui discorrer, porquanto desnecessário, sobre entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2004 que, em quadro assim, diz tratar-se de furto famélico, com ínfimo poder de lesão ao direito e, portanto, manda soltar o infrator.
É o “princípio da insignificância” e o STF orienta que juízes desconsiderem os casos em que o furto é irrelevante, com baixo poder ofensivo.
Ocorre que vaidosos juízes estaduais, sempre no mundo da lua, alheios à miséria que impera no Brasil, não seguem o entendimento do STF ou, em última análise, fazem vistas grossas.
Argumentar-se-á: a lei é igual para todos. Ela furtou, há de ser presa.
Não é. A lei não é igual para todos, exceto na teoria. Só na letra fria da lei todos são iguais. Se todos fossem iguais tantos magnatas que surrupiaram dinheiro público estariam trancafiados. E não estão.
De qualquer modo, nem tudo está perdido.
O lúcido ministro Joel Paciornik, do Superior Tribunal de Justiça, pisou no chão e fez Justiça. Mais do que pisar no chão, o magistrado se elevou acima das hipocrisias e foi buscar a dignidade do Poder Judiciário.
Fazer Justiça não é prender os pobres e soltar os ricos.
Que outros juízes desçam de seus arrogantes pedestais e também comecem a fazer Justiça.
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