
“Talvez a velhice seja um naufrágio” (Milton Hatoum, escritor, tradutor e professor amazonense)
Quando olho no retrovisor da vida, vislumbro coisas que ficaram para trás e não posso esquecê-las.
Mas é preciso avançar no tempo, colher as vicissitudes inarredáveis que plantei ou plantaram em meu caminho.
O prosseguimento da caminhada significa às vezes tédio, às vezes boas lembranças e sempre a expectativa de que, nesta altura da vida, não iremos muito longe.
Os horizontes se estreitam, a alvorada demora a clarear, os sonhos se ofuscam diante das dificuldades. Mas é a vida, a luta, o desenlace do viver ou da morte inevitável.
Em quadro assim, surge a conversa de envelhescente, que a poucos ou a ninguém interessa, mas se dá em razão da maturidade e do desalinhar das emoções.
Na primeira metade da década de 1970, conheci em Chorrochó, uma turma um tanto alegre e irreverente.
Essa turma formava-se de Juracy Santana, José Osório de Menezes, Francisco Ribeiro da Silva, Francisco Afonso de Menezes e Antonio Euvaldo Pacheco de Menezes (Totó para nós, seus amigos; Corró, para Ernani do Amaral Menezes, seu irmão). Todos jovens, na aurora da mocidade.
Havia outros, mas já falei alhures, muitas vezes. Torna-se cansativo repetir.
Hoje refiro-me a Juracy Santana. Éramos muito próximos, em razão do acolhimento que tivemos do então prefeito de Chorrochó, Dorotheu Pacheco de Menezes e de sua honrada família: Izabel Argentina (Biluca), Socorro, Evaldo, Joãozito, Virgílio e demais do núcleo familiar.
Assim como eu, Juracy vinha de outras paragens. Não nasceu em Chorrochó. Adotou-o como sua terra e seu amparo.
A juventude por si só é sonhadora, às vezes intransigente, quase sempre sustentáculo dos tesouros, dentre esses a amizade.
As amizades amealhadas na juventude geralmente são as mais seguras, as mais puras, as mais duradouras.
Assim éramos nós. Construíamos nossa universidade da vida, que era o conhecimento fundado nas dificuldades e em nossos próprios tropeços.
Juracy era exímio mecânico de automóveis, ocupação na qual se destacou e com ela cavava a vida e o sustento. Profissional respeitável, criou a família no esteio de seu trabalho responsável e diário.
Juracy fez uma façanha, dentre muitas. Se casou com Maria Lenisse Oliveira Alves, minha amiga até hoje, que passou a ser Santana e tiveram as filhas Cilene Cristianne de Oliveira Santana, Samira Liane de Oliveira Santana e criaram a neta Nayara Cristiane Santana Nascimento.
Este era o núcleo familiar de Juracy.
Nayara Cristiane também passou à condição de filha do casal e considerava Juracy seu pai. Ele adorava a neta-filha.
A estrutura familiar paterna de Lenisse está em Patamuté, descendência de Macário Alves, exemplo de vida e caráter. Sinhorzinho é o pai. O esteio materno assenta-se em Chorrochó.
A última vez que vi Juracy, eu já morava em São Paulo. Em visita à cidade, sentamo-nos num banco em frente à casa do então prefeito de Chorrochó, José Juvenal de Araújo, nosso amigo comum.
Conversamos bastante. Conversa saudosa, como se um balanço de nossa humildade, de nossas incertezas, como se um voltar às nossas origens pobres e dependentes do aconchego de quem nos deu a mão em momentos difíceis.
Tanto para Juracy quanto para este cronista, Dorotheu Pacheco de Menezes foi o iluminar de nosso caminho, o amparo, a direção. Éramos jovens, dependíamos de rumo. Dorotheu deu esse rumo, afastou as pedras do caminho.
Tudo isto foi alegria particular. Em Memorial de Aires, Machado de Assis saiu-se com esta: “Não há alegria pública que valha uma boa alegria particular”.
Tinha razão.
Volto à turma que conheci em 1970.
Juracy, Osório, Francisco, Afonso, Antonio Euvaldo. Intrometi-me nessa turma, embora dela não fizesse parte e passei a ser amigo de todos eles. Foram-se Juracy, Osório, Francisco, Antonio Euvaldo.
Valeu a pena tê-los conhecido.
Não posso me queixar daqueles tempos de sonhos. Não devo atribuir os tropeços que se seguiram até hoje àquele iniciar de construção de vida. As amizades me foram mais importantes que os sonhos. Os sonhos seguirão sempre, muitas das amizades se foram.
Vale a pena a saudade de Juracy e de todos eles.
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