SAAE de Curaçá, história e reflexão

“O destino gosta de inventar desenhos e figuras, mas a vida é difícil pela simplicidade” (Rainer Maria Rilke, poeta austríaco, 1875-1926)

Remergulhei na memória, amiúde até, com o intuito de buscar, nos recônditos da distância, a história do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) de Curaçá.

Inevitável rememorar tempos de Gilberto da Silveira Bahia, administração 1959-1963 e José Félix Filho (Zé Borges), gestão 1963-1967, prefeitos visionários, que pensavam à frente, bem à frente, não obstante a precariedade das receitas de Curaçá.   

Mais do que isto, procurei saber de algumas fontes o que se passa com nossa tão querida e tradicional autarquia curaçaense, que vem sendo alvo de constantes críticas e reclamações, que vão desde a falta de água até frequentes vazamentos, demora na reativação do sistema de abastecimento, quando necessária, e outros transtornos mais.

A agravante é que, em muitos desses eventos desagradáveis, para manter em atividade seus serviços essenciais, o SAAE depende da Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia (COELBA). Exemplo: surgimento de dificuldades na alimentação da rede elétrica que refletem nos equipamentos do SAAE.

Aliás, a COELBA/Neonergia, que é subsidiária de um grupo espanhol, está se destacando irresponsavelmente como um descalabro no que tange à prestação de serviços às populações de diversos municípios da Bahia, não obstante os reajustes regulares de tarifas, até mesmo indevidos, segundo notícia veiculada na imprensa, mas esta é outra história. Longa história.

Neste 28 de fevereiro de 2022, salvo engano, o SAAE de Curaçá completará 59 anos de existência. Convenhamos, um atestado de que deu certo e vem prestando relevantes serviços aos curaçaenses.

Antes administrado pelo Ministério da Saúde, através de suas fundações ligadas ao setor de esgotos e água potável, no final da década de 1990 o SAAE de Curaçá passou a ser gerido pelo município e, mutatis mutandis, o prefeito de plantão passou a indicar um braço político, geralmente vinculado à sua base parlamentar na Câmara Municipal, para administrar a autarquia.

Isto não significa dizer que a influência política e seus conchavos de ocasião são responsáveis diretos e principais pela deterioração dos serviços do SAAE e origem de tantos transtornos causados à população de Curaçá.

Admitir que os dirigentes do SAAE, enquanto políticos, se políticos, não se acham em condições de sustentar os serviços básicos a que se propõe o órgão é acreditar que eles estão enterrando em profundos buracos os votos que lhes mantêm na vida política local.     

Registro, por oportuno, que o SAAE de Curaçá manteve, em seus quadros, dedicados e abnegados dirigentes, tais como Ponciano Pereira Rêgo (uma das criaturas mais corretas que conheci na vida), Dione Maria Félix de Oliveira, Maurízio Roberto Bim Moreira, Roque José Ferreira Soares, para ficar apenas em alguns exemplos, que se cercaram de equipes de boa qualidade profissional, de modo que a população de Curaçá sempre esteve bem servida, neste particular.

Hoje, diversamente, pelo que se vê, a situação é outra ou, pelo menos, parece ter adquirido contornos de diferença.

Tendo em vista a história de credibilidade do SAAE de Curaçá, quero crer que as dificuldades que a autarquia está passando, talvez não se circunscrevam a uma eventual má gestão, mas o resultado de falta de investimentos, aumento da demanda, dependência de outros órgãos e, possivelmente, ausência de planejamento adstrito à realidade local.   

Entretanto, argumentar-se-á: a autarquia ajusta e cobra regularmente suas tarifas e contas, delineia suas receitas, esteia-se nas estatísticas de suas ligações e nos seus custos operacionais e administrativos e, como tal, deve ter autonomia financeira para gerir-se.  

É razoável pensar assim.

Admitir ao contrário, seria escancarar o fracasso da gestão do SAAE e isto não parece ser a realidade que se vislumbra em Curaçá, sabendo-se, ademais, da respeitabilidade da autarquia ao longo de décadas.

Uma das características da sociedade aqui, ali ou acolá, é esta: cada um se embevece em seus sonhos, preocupações, medos, projetos e devaneios e somente cobra alguma coisa das autoridades quando se defronta com as desgraças, dificuldades, tempestades e angústias.

Curaçá não é diferente. As autoridades reinam absolutas – sempre foi assim – fazem demagogia, prometem, afagam e, sobretudo, têm dificuldade de enxergar as necessidades do povo.

O SAAE talvez seja o reflexo desse desenho, dessa realidade, em que as autoridades nunca foram cobradas quanto ao desempenho correto de seus misteres.

Em quadro assim, parece razoável entender que o resultado dos equívocos passados tende a aparecer mais cedo ou mais tarde.

De qualquer modo, afigura-se deprimente e constrangedor, que a população de Curaçá – ou parte dela – se veja constantemente às voltas com falta de água em suas torneiras olhando para as águas caudalosas do São Francisco.

Há alguma coisa errada em Curaçá e não é o SAAE em si, tampouco suas equipes operacionais destemidas, dedicadas e profissionalmente bem preparadas.

Talvez seja ausência de acuidade e percepção de quem tem o poder de decidir com clareza e respeito à população e não o faz com presteza e na ocasião própria.

Post scriptum:

A foto do SAAE de Curaçá que ilustra esta matéria é antiga e não tem o condão de retratar necessariamente a realidade atual. Deixo de citar o crédito da foto por desconhecer o autor.

araujo-costa@uol.com.br     

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