O Juiz eleitoral

“Uma sociedade de carneiros acaba por gerar um governo de lobos” (Victor Hugo, romancista e ensaísta francês (1802-1885), autor de Os Miseráveis.

Bahia, eleições de outubro de 1962.

O general Juracy Magalhães era governador e exercia poderosa influência sobre líderes municipais em todo o estado.

Famoso tenente na década de 1930, integrante do movimento tenentista que derrubou o presidente Washington Luiz, habituado a mandar nos quartéis, Juracy também passou a mandar na Bahia.

Era anticomunista roxo.

Na marcha das apurações em Santo Antonio de Jesus, recôncavo baiano, as urnas asseguravam expressiva votação ao jornalista Sebastião Nery, candidato a deputado estadual pelo Movimento Trabalhista Renovador (MTR), socialista convicto e buliçoso, baiano de Jaguaquara e ex-seminarista em Amargosa.

O juiz eleitoral, subserviente ao governador, na hora de preencher o mapa da apuração, se espantou com o expressivo resultado do candidato e perguntou ao membro da junta apuradora:

– Quantos votos para Sebastião Nery?

– 160, Doutor.

– Corta o zero. Bota no mapa da apuração só 16 votos. O que o governador vai pensar de mim se este comunista ganhar em minha comarca.

E sumiu com 144 votos de Sebastião Nery. E com o seu caráter. E se apequenou moralmente, como tantos juízes de hoje. 

Como se vê, naquela quadra do tempo, havia juízes e juízes. Ainda hoje há. Pior: eles fazem ressobrar desfaçatez e escasseiam-lhes escrúpulos e vergonha.

Qualquer semelhança com atuais magistrados, que visivelmente não escondem o pendor por determinados candidatos, terá sido mera coincidência.

Fonte: A Nuvem, de Sebastião Nery, Geração Editorial, Belo Horizonte (MG), 2009.

araujo-costa@uol.com.br

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