Memórias saudosas de Patamuté: Ambrosina e Mário Matos Lopes     

“Talvez eu tenha criado as estrelas e o sol e a enorme casa, mas já não me lembro” (Jorge Luís Borges, escritor argentino, 1899-1986, A Casa de Asterion)

A história de Patamuté não pode ser contada, por quem dela entende – ou lembrada, por quem gosta de lembrar – sem que, em seu contexto, seja inserida a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a antiga EBCT, muito útil na vida do lugar.

Não entendo da história de Patamuté, mas gosto de lembrá-la. A juventude de hoje precisa ter conhecimento da contribuição dos antepassados na construção moral do lugar.

Patamuté teve o privilégio de contar com uma agência dos correios e telégrafos durante décadas. Foi extinta nos anos 1990, por força de uma política governamental equivocada do presidente Fernando Collor de Melo.

Depois disto a EBCT esfacelou-se, passou a ser antro e cenário de corrupção, descambou para o desmoronamento e perdeu o título que detinha à época de empresa pública mais eficiente do Brasil. Mas esta é outra história.

A agência teve à frente Maria Matos Lopes, casada com Otávio Lopes Martins. Na condição de agente, ela foi responsável pelos correios de Patamuté durante anos, na primeira metade do século XX.

Mário Matos Lopes, filho de Maria Matos, substituiu-a também na condição de agente, mediante concurso público. É dele que hoje me ocupo nesta pequena e modesta lembrança de Patamuté.

É difícil, em certas circunstâncias, falar de amigos. Difícil, porque pode parecer uma variante de narcisismo ou mesmo um amontoado de palavras frágeis e inconsequentes.

Neste caso não é, não precisa ser. Tenho respeito pela memória de minha terra e dos amigos que me aturaram lá.

Mário Matos Lopes foi meu amigo pessoal. Com ele e sua família tive a honra de conviver durante anos. A esposa Ambrosina, hospitaleira, espirituosa, alegre e sempre atenciosa. E os filhos: Antonio Nilo Ferreira Lopes, Odete Matos e Solange Matos.

Homem de opinião e caráter irrepreensível, Mário Lopes era cuidadoso no exercício da profissão, pontualíssimo relativamente aos compromissos e dedicado aos amigos. Uma referência quando, em Patamuté, falava-se em honestidade, decência e sensatez.

A vida de Mário Lopes confunde-se com exemplo de honradez e seriedade. Também violonista, às vezes boêmio, outras vezes comedido ao extremo, era admirador de José Amâncio Filho, Meu Mano.

Conhecia todas as músicas de Meu Mano e tinha predileção por “Lágrimas de Mãe”, que cantava com esmero admirável.

Os homens de opinião às vezes criam lendas, porque o mistério faz parte da construção dos mitos. Mário Lopes não abdicava de seus valores morais e sociais e, em razão disto, deixou exemplos.

Já morando em São Paulo, fui a Patamuté. Visitei-o, como de costume. Tempo em que era comum sentar-se em cadeiras nas calçadas durante a noite sem receio de ser assaltado ou molestado por intrusos.   

Mário Lopes contou-me que teve um desentendimento com um amigo de boemia. “Em Patamuté não bebo mais. Só coloco um copo na boca depois de ultrapassar  o Paredão”.

Cumpriu a palavra até a morrer.

Paredão, para quem não conhece, é um riacho que existe em Patamuté, como todas as coisas boas que existem por lá.

Mário Lopes fez essa façanha em criar uma linha divisória entre o Paredão e o cumprimento de sua palavra.

Patamuté, como todo lugar, tem seus filhos e sua história de vida, que não pode perecer.

Anos depois, já muito além daquele tempo, deparo-me, nalgum lugar, com uma foto de Ambrosina (acima), esposa dedicada de Mário Lopes e minha amiga, já alquebrada pela idade, mas altiva.

Ela, Julieta Alcântara (esposa de Zé Lulú) e eu sabíamos de tudo em Patamuté. Coisas do tempo, do lugar e da vida.

Saudade. Muita saudade.

araujo-costa@uol.com.br

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