“Brasil de ontem e de amanhã! Dai-nos o de hoje, que nos falta” (Ruy Barbosa, Oração aos Moços)
Adulador contumaz do carlismo e hoje participante das fileiras da esquerda, o senador Otto Alencar (PSD) pode ser reconduzido ao Senado Federal nas eleições de outubro próximo, o que prova que a Bahia ainda não amadureceu politicamente.
Otto Alencar já foi do Partido Democrático Social (PDS), sustentáculo da feroz ditadura militar e de seus consequentes PFL e DEM, além de ter passado por PL e PP.
Para dizer o mínimo, considerar Otto Alencar de esquerda ou próximo dela é um acinte à memória de combativos esquerdistas históricos tais como Waldir Pires (Amargosa), Francisco Pinto (Feira de Santana), Haroldo Lima (Caetité), Giocondo Dias (Salvador) e tantos outros que fizeram da política uma perigosa trincheira para a luta contra as injustiças e não para alinhavar conchavos.
Um político que pula do exacerbado conservadorismo de direita ao radicalismo de esquerda, com tanta desenvoltura e facilidade, não pode ser levado a sério, não deve ser levado a sério. Falta-lhe convicção ideológica e lhe sobra hipocrisia que beira a desfaçatez.
Maior colégio eleitoral do Nordeste, com aproximados 11,3 milhões de eleitores, a Bahia parece que tende a se ajoelhar diante da insignificância de Otto Alencar e reconduzi-lo ao Senado, segundo apontam as pesquisas.
O complô que pode assegurar a vitória de Otto Alencar nas urnas de 2022 envolve a conhecida popularidade do lulopetismo no Estado e uma costura que levará o experiente senador e ex-governador petista Jaques Wagner para o Ministério das Relações Exteriores, na condição de chanceler, num eventual governo Lula da Silva, mas mantém a Bahia politicamente de joelhos.
Otto Alencar é conhecido por seu livre trânsito nos municípios, amizades com ex-prefeitos e outras lideranças políticas do interior do Estado e, mais do que isto, sua capacidade de aliar-se a poderosos de ocasião.
Entrementes, o passado do senador baiano não é lá muito puro, nem inquestionável.
Uma filha de Otto Alencar trabalha ou trabalhou no Tribunal de Contas do Estado da Bahia, apadrinhada por Gildásio Penedo Cavalcanti de Albuquerque Filho, ex-deputado estadual pelo PFL e DEM, partidos de direita, alçado à presidência do Tribunal e que foi filiado ao PSD, partido de Otto Alencar.
Salvo engano, Gildásio Penedo é casado com Roberta Alencar de Santana Penedo, sobrinha de Otto Alencar.
Se não for nepotismo – e não deve ser, porque o Tribunal de Contas é uma instituição séria – é no mínimo imoral este apadrinhamento esdrúxulo.
No exíguo período de nove meses que foi governador da Bahia, Otto Alencar enfrentou dois episódios que lhe deixaram algumas marcas em sua vida política que ele parece ter esquecido, finge esquecer ou, adrede, zomba da memória dos baianos.
Otto Alencar foi acusado de patrocinar e/ou acobertar escutas ilegais de adversários políticos, o chamado “escândalo dos grampos”, supostamente a mando do então poderoso Antonio Carlos Magalhães (ACM), a maior liderança política que a Bahia já teve.
A Assembleia Legislativa criou uma CPI para investigar o caso, mas Otto Alencar safou-se dela, em razão de maioria que contava a seu favor no Legislativo baiano, lastreada no poder por influência de Antonio Carlos Magalhães a quem Otto Alencar estava pendurado à semelhança de um carrapato.
Ato contínuo, sobreveio o rumoroso caso da EBAL-Empresa Baiana de Alimentos, responsável por uma rede de supermercados públicos. Novamente criou-se uma CPI para investigar suposto rombo apontado no orçamento da empresa estatal.
Mais uma vez, a rede de apoio político de Otto Alencar impediu que ele comparecesse à CPI para depor.
Em 2018, salvo engano, a EBAL foi privatizada, vendida para um grupo espanhol com base em São Paulo e com ela foram-se as Cestas do Povo tão fundamentais para os baianos.
Em 2014, Otto Alencar foi condenado pelo Tribunal Regional Eleitoral da Bahia, com base em propaganda antecipada feita em Ruy Barbosa, sua cidade natal, por ter distribuído adesivos e pintado muro noticiando sua candidatura, sem amparo na legislação eleitoral.
Trata-se, portanto, de um legislador que tem dificuldade de cumprir a lei.
Pelo que se vê, tirante o serviço voluntário que Otto Alencar prestou às Obras Sociais Irmã Dulce – mérito que, neste ponto, ele merece ser elogiado – seu passado não parece tão irrepreensível assim, a ponto de habilitá-lo como político voltado à defesa das causas do povo baiano como ele apregoa.
Todavia, diz a lenda que Otto Alencar tem uma rede de amigos prefeitos, ex-prefeitos e membros de Câmaras Municipais nos 417 municípios baianos, em razão de ter sido conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios durante seis anos. Mas esta é outra história que não vem ao caso.
Arrogante e inconveniente, Otto Alencar se acha a última bolacha do pacote, mas os eleitores baianos não o veem assim. Ao contrário, entronaram-no num pedestal como líder do Estado.
Entretanto, o retrovisor do senador Otto Alencar deve estar quebrado. Ele não consegue ver seu passado nebuloso.
Se reeleito para o Senado da República em 2022, Otto Alencar vai continuar participando da confraria do colecionador de inquéritos Renan Calheiros (MDB-AL), de Omar Aziz (PSD-AM), que declarou ser amigo pessoal de Otto e é acusado, embora ainda investigado, de desviar aproximados R$ 200 milhões de dinheiro da saúde do Amazonas, quando governador de lá e outras figuras desprezíveis que gravitam no Senado Federal. Pelo que se vê, boas companhias.
Outro membro da confraria, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), pernambucano de Garanhuns, terra de Lula da Silva e especialista em discursos histéricos, tem mais quatro anos de mandato e deve desembarcar também num eventual governo Lula da Silva, em qualquer função de somenos, talvez encarregado de protocolar ações nos balcões do Supremo Tribunal Federal, único mister que ele parece ter aprendido e demonstra que faz muito bem.
Parece indubitável, hoje Otto Alencar iguala-se à esquerda baiana, o que atesta: a esquerda da Bahia não é sincera, mas eleitoralmente oportunista.
Entretanto, a suprema decisão está com o povo.
Então, viva a soberania do voto popular!
A democracia ainda é o melhor caminho.
Em tempo:
Em Curaçá, sertão do São Francisco, aprendi a admirar um esquerdista de boa cepa, convicto da ideologia que defende, sereno, conspícuo e de caráter irrepreensível: Salvador Lopes Gonsalves.
Salvador é o mandacaru ideológico de Curaçá. Pode não dar sombra, mas dá firmeza.
Salvador foi prefeito do município e certamente nunca abdicou de suas convicções e, por isto, o admiro, com Otto Alencar ou sem Otto.
Aliás, quando se fala de convicção ideológica, nenhum radar alcança Otto Alencar.
araujo-costa@uol.com.br