Curaçá e alguns fragmentos de minha memória

“Em Campinas, um professor me saudou dizendo: – Desta cidade saíram muitos homens de talento. Aparteei: – Saíram todos. Ficaram furiosos comigo” (Agripino Griecco, crítico literário, 1888-1973).

Atingi uma quadra do tempo em que a idade me permite dizer o que penso ou quase tudo que penso.

Um amigo me perguntou se pretendo voltar a morar em meu município sanfranciscano de Curaçá, que ele conhece através de meus escritos, para “envelhecer lá”.

Digo que não, mas absorvo sua ironia. Se a premissa é “envelhecer lá”, não será mais possível. Já estou velho e, logo, falta-me essa razão preciosa de voltar ao meu torrão natal para envelhecer.

A turma do politicamente correto diz que não sou velho, sou idoso e estou na fase da “melhor idade”. Melhor idade? Deixa pra lá.  À semelhança de formigas, imbecis tem em todo lugar.

Outro fato impeditivo: o que faria um ancião na fase outonal da vida, beirando a senilidade, a decrepitude, o ocaso, num município com tantos talentos, intelectuais, escritores, jornalistas e até filósofos?  

Aliás, um parêntese: Curaçá parece que se transformou numa gigantesca universidade de filosofia e ciência política. As redes sociais estão infestadas de “filósofos e cientistas”, uns lulopetistas, outros tantos bolsonaristas, disputando entre eles níveis assustadores de agressividade.

Em minha mocidade – já vai longe no tempo – os jovens gostavam de ser humildes, respeitosos e atenciosos, não obstante a rebeldia própria da juventude. Dava certo a convivência sadia entre todos e afastavam-se a prepotência, a aspereza, a insolência.

Noticiam-me de Curaçá, que os becos por onde eu andava e as ruas e esquinas onde conversava com os amigos estão perigosos. As drogas já chegaram por lá ou passam por lá, de modo que é melhor ficar em casa e evitar o perigo das ruas à noite.

Essa incompatibilidade no viver social me alcança em cheio: sou notívago, não necessariamente boêmio. À noite as preocupações se recolhem e surge a expectativa de um amanhã melhor.

Outro dia perguntei a um amigo de Juazeiro, como anda a juventude de lá, a de Curaçá, de Petrolina, etc.

A resposta foi desalentadora: “Antes a juventude era a esperança, mas hoje….”. Acabou tropeçando nas reticências.

Todavia, ao contrário do relato de Agripino Griecco, em Curaçá ficaram os homens de talento e surgiram muitos. Outros de pouco talento saíram, dentre eles me incluo, com a vã esperança de que o encontraria noutro lugar. Debalde.

Voltar agora, carregando imbecilidades, alhos, bugalhos e idiotices na bagagem não é bom, não deve ser bom, não pode ser bom.

Melhor remoer por aqui a saudade e os fragmentos de minha memória esburacada.

araujo-costa@uol.com.br

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