“Perdeu, mané. Não amola.” (Luiz Roberto Barroso, ministro do Supremo Tribunal Federal)
Sou do tempo em que magistrado se expressava em linguagem escorreita, respeitosa, decente, compatível com a nobreza da magistratura.
A expressão “perdeu, mané” comumente usada nos semáforos e ruas das grandes cidades é a senha dita por assaltantes ocasionais, que indica a subtração imediata de bens de vítimas indefesas ou relatada em inquéritos nos distritos policiais.
É uma espécie de código da delinquência.
É constrangedor ouvi-la de um magistrado em resposta a brasileiro, fora do Brasil, num país civilizado – os Estados Unidos da América – onde seus nacionais e pessoas que moram lá têm livre direito à liberdade de expressão do pensamento e podem questionar autoridades quaisquer que sejam.
Constrangedor, mais ainda, a frase partir de ministro do Supremo Tribunal Federal e reveladora da degenerescência a que chegou parte da magistratura brasileira.
A imprensa sinalizou que a frase “perdeu, mané” correu o mundo, beirou o topo das mais lidas e certamente escancarou a muitos países a debilitada imagem do nosso Poder Judiciário que há tempo vem em apressado despenhadeiro e visível desgaste.
Houve tempo em que o magistrado ao chegar discretamente em festas, sem estardalhaço, holofote ou dezenas de seguranças, era reverenciado, cumprimentado e respeitado pelos presentes.
A figura digna do magistrado por si só imprimia segurança e respeito ao local.
Houve tempo em que magistrado era respeitosamente acolhido ao chegar a restaurante ou qualquer outro lugar e não precisava socorrer-se de escolta policial para sair do estabelecimento, circular pela calçada ou adentrar em seu veículo.
Houve tempo em que a Justiça era a esperança dos injustiçados e o Poder Judiciário o amparo, a retaguarda, a segurança.
Houve tempo em que o magistrado não cavava hostilidades ao proferir decisões esdrúxulas e ilegais, mas se impunha com o peso admirável de sua função respeitável.
Corajosos e combatentes advogados recorriam à Justiça e impetravam Habeas Corpus para fazer valer os direitos dos cidadãos, o afastamento da censura, da ameaça, da prisão indevida, da truculência da ditadura militar ou, a qualquer tempo, coibir o abuso de poder de autoridades.
Hoje a censura parte do Poder Judiciário, vergonhosa e injustificadamente e transforma-se em espada para tolher o direito de cidadãos que ousam expressar-se amparados pelos ditames da Constituição Federal.
Houve tempo em que a figura do magistrado trazia paz e segurança e não medo, repulsa, desprezo. O juiz era o exemplo, o espelho para a juventude, o caminho em direção à respeitabilidade.
Houve tempo em que magistrado não se transformava em militante político, nem demonstrava tendência para este ou aquele candidato, qualquer que fosse a esfera (municipal, estadual, federal).
A preferência eleitoral do magistrado dava-se no esconderijo de sua consciência sob a esteira do princípio de que o voto é secreto.
O magistrado se dava o respeito e pairava sobre todos com o manto da decência, hombridade, imparcialidade e aptidão para dizer o direito, fazer a Justiça, independentemente da fama ou classe social de quem lhe batia à porta.
Houve tempo em que ministros do Supremo Tribunal Federal não viajavam em bando, em avião pago por empresários, hotéis e mordomias custeados por magnatas da política e da economia para participarem de regabofes e, em consequência, espancar a nobreza da magistratura.
Houve tempo em que magistrado não se reunia com parlamentares para sugerir feitura de leis e seus contornos, com o intuito não transparente e presumível de beneficiar apaniguados.
Entrementes, o que acalenta é que a magistratura nacional não está totalmente contaminada com esses senões e vícios. Sua maioria é formada de juízes sérios, decentes, impolutos, de reputação realmente ilibada.
Houve tempo em que magistrado tinha consciência de que seus estratosféricos salários e mordomias são pagos pela sociedade para servi-la e não para espezinhá-la.
Houve tempo em que magistrado recolhia-se à sua grandeza e ao significado de sua nobre função de dizer o direito.
Houve tempo em que magistrado tinha vergonha de cometer eventuais deslizes no exercício da judicatura.
Quedê a decência, ministro?
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